Como sempre, há quem não se reveja na exaltação geral sobre as bondades da Touriga Nacional, quem veja exagero na sua glorificação, que nem todos lhe encontrem os predicados que a generalidade atribui à casta. Os consensos alargados do vinho são extremamente difíceis de alcançar.
Com maior ou menor número de entusiastas, a Touriga Nacional passa actualmente por um momento de afirmação nacional e internacional excepcional, por uma vaga crescente de notoriedade a que nenhuma outra casta nacional poderia sequer sonhar aspirar... com a possível excepção do Alvarinho. Num país onde a larga maioria dos consumidores continua a comprar o vinho pelo rótulo conhecido ou pelo nome da região, num país em que poucos conhecem o nome das castas nacionais, mais uma vez com excepção do Alvarinho, a Touriga Nacional começa a conquistar um lugar ao sol.
O que é curioso, e simultaneamente estranho, é que tudo se passa num país que assenta a sua filosofia histórica no conceito de lote, nessa perspectiva tão intrinsecamente nacional que agrupar um número variável de castas permite criar vinhos mais complexos em que o resultado final seja superior à soma das partes individuais. A larguíssima maioria dos países produtores de vinho não abraça o conceito de agregar várias castas de forma tão entusiástica como Portugal, desprezando o espírito do lote.
Esta forma de fazer vinho, o lote, é tão natural para nós que num acto que se aproxima substancialmente da loucura alargámos o concepção à vinha, à chamada vinha misturada, agregando na mesma parcela física dezenas de castas distintas, mesclando castas de ciclo mais curto com castas mais tardias, castas mais aromáticas com outras mais austeras, castas mais delicadas com outras consideradas estruturantes. A dose de loucura chega ao ponto de por vezes misturar algumas castas brancas no meio de variedades tintas como muitas das vinhas velhas do Douro, Dão ou Portalegre atestam de forma enfática.
O nosso conhecimento foi durante décadas meramente empírico, sem qualquer noção real do valor de cada variedade. Durante grande parte do nosso passado vínico, poucos sabiam quais as variedades que entravam no lote dos vinhos nacionais, desconhecimento que se estendia do consumidor ao próprio produtor. Os produtores reconheciam a qualidade excepcional de algumas vinhas, eventualmente de uma parcela delimitada, mas sem que fosse possível identificar as castas individuais presentes nessas vinhas, informação que de qualquer forma era considerada irrelevante.
Ainda hoje esse conhecimento é considerado mais ou menos irrelevante por alguns dos produtores de maior prestígio nacional que preferem valorizar condicionantes tão importantes e decisivas para a qualidade do vinho como a idade da vinha, os solos onde a vinha está implantada, a exposição, a altitude, a condução e muitas outras condicionantes em detrimento de uma identificação e preocupação excepcional em conhecer a composição de cada vinha misturada.
Mas os tempos mudaram e valorização individual das castas é hoje um dado assumido. O final da década de noventa do século passado marcou a transição de costumes nos vinhos nacionais, quando os vinhos de uma só casta ganharam uma súbita popularidade junto de produtores e consumidores. O país ficou suspenso na descoberta sobre o potencial de cada casta, ansioso por conhecer e desvendar o valor de cada variedade, por mais estranho e remoto que o seu nome e passado se apresentassem. Uma febre efémera incapaz de sobreviver aos esforços inglórios de tentar popularizar castas que manifestamente não dispunham de condições naturais para triunfar.