Fugas - Vinhos

Paulo Ricca

O exemplo Murganheira

Por Rui Falcão

Chegados à Murganheira, às famosas caves graníticas da Murganheira, é fácil ficar fascinado perante tamanha beleza numa feliz harmonia entre o que a natureza ofereceu e trabalho que o homem acrescentou.

Para além de se terem convertido no símbolo por excelência dos vinhos espumantes nacionais, a bitola estilística e qualitativa por que todos se querem equiparar, as Caves da Murganheira situam-se ainda numa das paisagens mais bonitas e mais bem preservadas de Portugal.

Embalados pelo sussurrar constante e bucólico das águas tranquilas do rio Varosa, passamos por Ucanha, formosa e altaneira com a sua notável ponte–torre românica que forçava à cobrança de portagens entre as duas margens do rio, para fazer um pequeno desvio até à vila de Salzedas, numa breve mas extraordinária visita ao belíssimo mosteiro cisterciense de Santa Maria de Salzedas, monumento nacional imponente. Um desvio merecido pela beleza arquitectónica e paisagística do conjunto mas também pela homenagem indispensável ao contributo notável que a ordem acrescentou à cultura da vinha na região.

Dirigimo-nos finalmente para as Caves Murganheira, onde somos confrontados com instalações modernas de traços limpos mas arrojados, janelas amplas rasgadas sobre uma paisagem deslumbrante que abarca todo o vale do rio Varosa. Mas o grande tesouro da Murganheira não está visível à superfície, encontrando-se antes enterrado no subsolo, nos quilómetros de caves escavadas e arrancadas à pedra dura, na prisão domiciliária de cerca de quatro milhões de garrafas que aguardam pelo longo tirocínio do tempo, enclausuradas nos extensos e sombrios corredores duramente conquistados ao granito.

Não foi fácil torturar e retalhar a montanha de granito para rasgar estas galerias no inesperado, sólido e quase impenetrável granito de tonalidade azulada. Uma tarefa hercúlea que começou ainda nos anos cinquenta do século XX, aquando da fundação das Caves da Murganheira, fruto do suor e do empenho pessoal dos muitos obreiros necessários para levar a cabo a empreitada e da visão de um industrial têxtil natural da região, da aldeia vizinha da Murganheira, homem rico que se apaixonou pela terra e pela perspectiva de vir a fazer um vinho notável.

Apesar de viver no Porto, Acácio Fonseca Laranjo sempre quis fazer vinho, espumante muito em particular, motivado pelo prazer do regresso às origens e da alegria de recuperar património da sua região natal. Não sendo técnico nem especialista do vinho, mas imbuído de bom senso, experiência e de poder de decisão conseguiu criar uma equipa rodeando-se das pessoas certas e experientes que pudessem ajudar o barco a chegar a bom porto.

Foi procurar inspiração e um enólogo directamente à região de Champagne, à região mãe dos vinhos espumantes, de onde veio o senhor Jounot que comandou as operações durante os primeiros anos de vida das caves da Murganheira. Foram anos de crescimento, de construção e consolidação do projecto, anos de descobertas e ensaios que permitiram prever o modelo futuro. Quando Acácio Fonseca Laranjo faleceu, os descendentes desinteressaram-se pelo empreendimento, afastando-se dos desígnios do mundo do vinho e do apelo pela terra que o progenitor tinha sentido, acabando por vender as caves da Murganheira.

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