Fugas - Vinhos

Fernando Veludo/nFactos

Anselmo Mendes na primeira pessoa: "A vida é feita de experiências"

Por Anselmo Mendes

Enólogo emblemático do renascimento do Alvarinho, Anselmo Mendes dá-nos conta da sua experiência no mundo dos Vinhos Verdes. Neste artigo, o enólogo anuncia um futuro brilhante para as castas Loureiro e Avesso e não se conforma com a “epidemia” do Vinhão nos tintos do Noroeste.

Fazer um vinho é acima de tudo conhecimento.  

A arte é apenas o pormenor do fazer diferente. Um bom enólogo é um intérprete das uvas, do terreno e da vinha, ouvindo o ensinamento da Natureza. Este é o pensamento que sempre orientou o meu percurso como enólogo e agrónomo.

O lugar e o meio onde nascemos, de uma forma ou outra, condiciona a nossa vida, influencia o nosso trajeto e projeto de vida.

Nasci em Monção no seio de uma família de agricultores e vitivinicultores. Bem cedo despertei para a vida agrícola e suas tarefas, dei os primeiros passos do conhecimento sobre sociologia rural, fisiologia das plantas, gestão e economia agrícola, feitoria do vinho e seus mitos, etc… Foram as melhores aulas práticas de agricultura, umas por gosto e paixão, outras por necessidade, própria de uma agricultura de subsistência.

Desta vivência surge a inevitabilidade de rumar ao Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa, onde concluí o curso de engenharia agro-industrial em 1987. Grande escola, com longa tradição de formação de engenheiros, de grande exigência, mas, ao mesmo tempo, preocupada com a entrada no mercado de trabalho, o acompanhamento dos ex-alunos e a sua integração nas empresas. A opção pelas agro-indústrias visava o maior aprofundamento nas disciplinas que dão suporte à Enologia.

Em 1987 obtive uma bolsa de estudo e rumei ao Porto, à Comissão dos Vinhos Verdes, para selecionar e estudar leveduras para o vinho Verde. Era a altura em que as castas dos vinhos verdes e o aparecimento de produtores e engarrafadores estava em alta. Naquela casa estudavam-se as castas, as suas potencialidades aromáticas, as tecnologias de extração, utilização do frio, enzimas, leveduras etc. Abracei o mundo da experimentação para coumprir a minha avidez por conhecer mais e cada vez mais.

Foi um ano de provas, experimentações com castas como o Loureiro, Alvarinho, Arinto, Azal e Trajadura. A par disso, práticas de análises e microbiologia forçavam este instituto público na altura a permitir que ficasse para lá do horário normal para consultar a extensa biblioteca e acompanhar os meus ensaios. Foi um ano intenso, mas estar fechado em laboratório não era bem o que eu queria.

Então surge, em 1988, a oportunidade de entrar para o departamento de enologia da empresa Vinhos Borges e Irmão. Outra grande escola. Os produtos contemplavam os vinhos Verdes, Espumantes, vinhos do Porto, vinhos Douro e Dão, Brandys e Aguardentes. Para um jovem de 25 anos, nada melhor. Em poucos anos, o departamento passou a ser de Enologia e Viticultura. Tive o meu contributo nisto, pois a viticultura era essencial para mim. Refizemos as quintas do Douro, fizemos novas vinhas no vinho Verde e no Dão. Costumo dizer que era uma empresa onde a experimentação era prioritária, havia muita abertura à investigação e tive o privilégio de fazer formação em enologia em Bordéus e Pós-graduação em enologia na Universidade Católica.

Paralelamente, a partir de 1987 e à custa das uvas Alvarinho da família, estudei esta casta quanto à fermentação e estágio em madeira. Para mim, a nobreza da casta com o aperfeiçoamento da fermentação em madeira poderia colocar os nossos brancos ao nível dos franceses do Loire e Borgonha. Ainda hoje continuo, ao fim de 28 anos, a estudar a casta Alvarinho com fermentação em madeira. Como a perfeição não existe, lá continuarei este estudo. Pelo meio desenvolvi muitos projetos como consultor nos vinhos Verdes e no Douro. Uns tomaram o seu rumo, outros, ainda hoje continuo a manter com eles uma ligação forte.

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