Os elogios rasgados quanto à capacidade natural do Dão para produzir vinhos excepcionais são recorrentes, tal como é recorrente o aplauso à personalidade dos vinhos aí produzidos. Com notável assiduidade, mencionamos as condições naturais ímpares do Dão, com as palavras de aprovação a sucederem-se de forma mais ou menos ininterrupta, derramadas em discursos inflamados ou em artigos de opinião reproduzidos em dezenas de meios diferentes.
O Dão, diz-se com redobrada convicção mas nem sempre com fundamento para tal, é uma das regiões mais abençoadas de Portugal, aquela que proporciona os vinhos mais elegantes, uma denominação capaz de produzir brancos e tintos aprimorados, frescos e com uma capacidade de envelhecimento notável. Chegou a ser moda afirmar que o Dão era a Borgonha de Portugal, o local onde nasciam os vinhos mais finos e delicados, a região de origem dos vinhos mais elegantes, viçosos e capazes de viver durante anos em garrafa.
É verdade que o Dão goza de um grupo alargado de vantagens naturais, mas também é verdade que sofre de contratempos que dificultam a sua afirmação. Por um lado, o forte emparcelamento da terra, que frequentemente impede a viabilidade económica da vinha. Mas também o clima volúvel capaz de apadrinhar o melhor e o pior intercalando colheitas extraordinárias com anos sofríveis. Tal como em muitas outras regiões do interior, o envelhecimento da população e a desertificação do território têm como consequência o abandono das vinhas e a decorrente perda progressiva de material genético diferenciador.
O arranque mais ou menos indiscriminado de muitas das vinhas mais velhas, a aposta quase única nas cinco castas da moda na região, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro, Encruzado e Malvasia Fina, desprezando o grupo restante de castas tradicionais da região e sem qualquer estudo aprofundado sobre os méritos e deméritos de cada variedade, força a um estreitamento genético que a próxima geração terá de pagar. A falência do sector cooperativo na região contribui igualmente para o abandono das vinhas e do vinho do Dão.
Num mundo que cultiva a facilidade, a conformidade e a uniformidade, nem sempre é fácil ser diferente, singular ou alternativo. Num mundo sempre com pressa, e onde a juventude é uma das características mais endeusadas, a vontade de lançar vinhos envelhecidos em casa é uma vantagem comercial que só é valorizada por uma minoria quase sem expressão e muitas vezes sem poder económico para valorizar estes vinhos. Produzir vinhos numa região de clima volúvel e que mostra enormes variações anuais, intercalando colheitas extraordinárias com anos simplesmente sofríveis, fomenta uma inconsistência qualitativa de colheitas que poderá afastar alguns dos consumidores menos comprometidos com a região.
Talvez por isso, mas seguramente também pela falta de uma visão regional e de um sentido histórico da denominação do Dão, tantos produtores optem por produzir vinhos que não honram o passado da região, não estão de acordo com o que diferencia o Dão e não estão de acordo com o que a natureza favorece. Uma carência de identidade que condiciona alguns produtores a querer copiar e reproduzir estilos de outras paragens e regiões, nomeadamente do Douro. Só mesmo isso poderia explicar a moda recente de lançar vinhos carregados de cor, vinhos espessos e pujantes, vinhos carnudos e pesados, numa antítese formal do que a região do Dão sempre produziu e onde se transcende elaborando vinhos que nenhuma outra região portuguesa consegue reproduzir.