Uma espécie de imposição moral que quase nos compele a beber vinhos portugueses e unicamente vinhos portugueses, uma propensão natural que nos leva a recusar admitir que fora de Portugal também se fazem bons vinhos.
Uma dificuldade extrema em admitir que os vinhos estrangeiros existem, que estão disponíveis e que prová-los, bebê-los e eventualmente gostar deles não é necessariamente uma heresia.
Em abono da verdade, não se pode dizer que este comportamento seja modelo exclusivo de Portugal ou dos consumidores nacionais. É antes um reflexo congénito de um condicionamento moral a que os países produtores da bacia do Mediterrâneo sempre estiveram sujeitos. Em Espanha, França, Itália ou Grécia ocorrem os mesmos sintomas, uma coacção moral onde tudo o que soe a estrangeiro no vinho é sinónimo instintivo de rejeição e de sensação de crime.
Mas, apesar da realidade factual, a verdade é que não estamos sozinhos no mundo do vinho e Portugal não é seguramente o único país produtor. Uma realidade tão simples quanto esta deveria ser motivo mais que suficiente para suscitar curiosidade em provar vinhos de outras paragens, para despertar o desejo de alargar horizontes, para estimular a vontade de descobrir novos aromas, paladares e estilos.
O verdadeiro conhecimento só se consegue construir com o conhecimento da diversidade e da diferença, com o confronto de perspectivas. Porém, e apesar desta evidência, os diferentes países mediterrânicos continuam a sentir uma relutância profunda em provar vinhos de outras paragens.
O princípio em si e per se é profundamente inconsequente. Basta imaginar um mundo em que a formação pessoal ficasse restrita a um universo muito pequeno e fechado, um mundo isolado e limitado quase sem contacto com o exterior. Que consequências proviriam desta espantosa realidade? Alguém consegue imaginar um estudante de Belas Artes ou um apreciador de pintura que se autocircunscrevesse por opção pessoal ao universo da pintura ou da escultura portuguesa, desprezando as restantes escolas da arte? Alguém consegue imaginar um músico ou um melómano evoluir e educar-se dedicando a sua atenção exclusivamente aos compositores nacionais, desdenhando e ignorando todos os demais registos musicais? Também no vinho tal deriva terá de ser considerada como algo de estranho e pouco consequente.
Ninguém duvida que os vinhos portugueses variam entre a excelência, a mediania e a pobreza, com graus qualitativos que se estendem pelas escalas intermédias. Fora de Portugal passa-se exactamente o mesmo. Mais que excelentes, medianos ou péssimos, fora de Portugal fazem-se vinhos diferentes no estilo e personalidade, vinhos impossíveis de reproduzir e encontrar no território nacional. Vinhos que nascem em climas diferentes, de variedades diferentes, com estilos diferentes e filosofias diferentes, vinhos únicos e irrepetíveis que com frequência merecem ser conhecidos.
Nem que seja para os rejeitar por completo! Não seria lamentável perder algumas destas experiências simplesmente por causa de um sentimento de chauvinismo vínico? Não seria uma infelicidade perder esta diversidade? Não seria um desastre viver a vida nas tonalidades a preto e branco, sem encontrar as cambiantes de cor que dão alegria à vida?