Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

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Há vida para lá da Touriga Nacional

A variedade Síria é apelidada de Roupeiro no Alentejo, região onde é usada sobretudo nos blend dos brancos mais simples. O calor alentejano não permite tirar o máximo partido desta casta, mas no frio planalto da Beira Interior, a mais de 600 metros de altitude, a Síria é a base de brancos muito aromáticos, finos e expressivos, de que a Quinta do Cardo é o principal expoente.

O caso mais notável, no entanto, é o da Cercial. Esta casta típica da Bairrada, existente em pequenas quantidades, foi sempre misturada com as variedades Maria Gomes e Bical para fazer os brancos bairradinos. Desde há mais de uma década que a Quinta de Foz de Arouce faz pouco mais de mil garrafas de um belo vinho desta variedade. Mas só muito recentemente, os vinhos de produtores bem conhecidos, Luís Pato e Campolargo, vieram chamar a atenção do mundo para o extraordinário potencial da Cercial, capaz de originar alguns dos melhores brancos nacionais.

No que respeita a castas tintas, a Alfrocheiro é certamente das mais injustiçadas. Trata-se de uma variedade de excelente qualidade, existente sobretudo no Dão e no Alentejo, mas também no Tejo e Lisboa. No Dão, ficou sempre tapada pela fama da Touriga Nacional e no Alentejo perdeu espaço para castas como a Aragonez ou a Alicante Bouschet. E no entanto, a Alfrocheiro origina vinhos de enorme elegância e finura, que em nada ficam a dever à Touriga Nacional. Felizmente, hoje em dia, são já vários os produtores do Dão que apostam nas virtudes desta casta em vinhos varietais (Quinta dos Carvalhais, Quinta do Perdigão, Quinta de Lemos, entre outros), para além de belíssimos exemplos no Alentejo (Paulo Laureano) e Tejo (Quinta da Lagoalva).

A região do Dão é igualmente o espaço privilegiado da Jaen, casta oriunda da região espanhola de Bierzo (onde tem o nome de Mencía) e que está em Portugal desde o final do século XIX. Por fazer vinhos tintos com pouca cor, no Dão foi quase sempre usada para os blends mais baratos, com uma ou outra honrosa exceção, como é o caso da Quinta das Maias que desde os anos 90 aproveitou uma vinha antiga de Jaen para fazer algumas colheitas memoráveis. Actualmente, marcas como Quinta da Pellada, Casa da Passarela, Quinta da Alameda ou Titular produzem vinhos Jaen que espelham o que de bom esta casta tem: delicadeza e sofisticação, num perfil elegante que lembra por vezes o do Pinot Noir.

O cenário da casta Castelão é bem distinto. É ainda a terceira mais plantada em Portugal, mas nos últimos 30 anos a área de plantação desceu dramaticamente e hoje quase ninguém planta uma vinha nova com Castelão. Já foi dominante nas regiões do Tejo, Lisboa e Alentejo. Atualmente, apesar de também aí valer cada vez menos, apenas mantém a liderança na Península de Setúbal. E, na verdade, é nesta região que a Castelão se mostra em pleno, sobretudo nos terrenos arenosos de Palmela e nas vinhas mais antigas. Aí, rótulos como Leo d’Honor, Periquita Superyor, Pegos Claros ou Horácio Simões mostram a verdadeira Castelão, a sua complexidade (lembra ameixa, tabaco, especiarias), os taninos polidos e suaves, a grande frescura de boca.

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