Fugas - Vinhos

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Um Porto celebrado, que vinha do frio

Foram estes painéis, da autoria de Fernando Gonçalves e produzidos na Fábrica do Carvalhinho, em Gaia, que puseram o responsável pela viticultura da Fladgate, António Magalhães, no encalço deste legado associado a uma propriedade onde, por acaso, antepassados seus, o avô e o bisavô, tinham trabalhado para os Roope. O experiente e reconhecido agrónomo teve a sorte, pelo caminho, de conhecer o empresário e escritor Jean-Pierre Andrieux, um estudioso da pesca do bacalhau, pelos portugueses, na Terra Nova, que o pôs em contacto com Doug Wells, o guardião da história local da pequena localidade de Harbour Breton. Criado este novo triângulo, Magalhães teve acesso a outras fontes de informação sobre a presença dos Newman na ilha que lhe permitiram perceber melhor o que é história, e o que é lenda, no processo de produção deste porto que se deu muito bem com as temperaturas mais frias daquelas latitudes, que o mantinham “muito mais brilhante, com a fruta e a frescura intactas” refere o enólogo da Taylor’s, David Guimaraens.

Economia da logística

“Esta história é muito bonita. E está muito ligada à própria natureza do vinho do Porto, que se desenvolveu graças aos comerciantes”, assinala o enólogo responsável pelo recém-criado Quinta da Eira Velha, um vintage apontado ao exigente mercado canadiano — o terceiro maior consumidor de vinhos das categorias especiais do grupo — que ostenta no rótulo a ilustração do veleiro Retriever. No final século XIX, repetindo uma tradição que tinha pelo menos mais dois séculos, este elegante navio de três mastros saía de Harbour Breton carregado de bacalhau para o ávido mercado português, e regressava a casa carregado com sal e com cascos de vinho do Porto. Parte destes seguiam para o mercado da América do Norte, mas algumas das pipas eram guardadas em armazém, podendo ali ficar meses ou anos, antes de serem enviados para nova viagem pelo Atlântico, desta vez rumo a Inglaterra. 

Com dois anos de estudo, o agrónomo da Fladgate já deu uma sacholada numa das lendas sobre a origem deste vinho torna-viagem, que situava a sua origem num episódio épico.

Um dos painéis da Eira Velha mostra um navio a ser atacado por piratas, numa cena inspirada numa pintura a óleo que os Newman tinham em casa, e que uma jornalista, Marjorie Mews, situou no século XVII. Segundo a lenda, para escapar ao ataque, o capitão do Jenny desviou-se do rumo que o deveria levar para Inglaterra e, no meio do Atlântico, decidiu ir para a Terra Nova, onde teria sido obrigado a passar o Inverno, provocando essa inovadora maturação do vinho que carregava no porão.

Uma parte disto aconteceu de facto, mas no século XIX, e António Magalhães descobriu no Museu Marítimo de Greenwich uma gravura exactamente igual ao quadro dos Newman, mandada executar pelo capitão desse navio. Este conseguira salvar uma carga de vinho do Porto das garras de corsários, levando-a, intacta, mas para o destino previsto. Menos épica, mas porventura de verdade também duvidosa, existe uma outra lenda que diz que numa dessas viagens de triangulação entre Portugal, Terra Nova e Inglaterra, alguém se esqueceu de duas pipas no porão de um navio durante o Inverno, naquele território hoje integrado no Canadá, descobrindo-se, na chegada ao destino, as maravilhas que isso fazia ao vinho.

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