Fugas - Vinhos

Cathal McNaughton/Reuters

Santorini, Assyrtiko e Sigalas

Por Rui Falcão

A ilha grega de Santorini representa um dos cenários mais extraordinários do mundo, um destino verdadeiramente paradisíaco, uma visão celestial de uma ilha apetecível encaixada nas águas azuis transparentes do coração do Mediterrâneo.

Não é fácil descrever a beleza estonteante ou a luz incrível que povoa Santorini, a paisagem selvagem e vulcânica, a perfeição cénica da enorme caldeira vulcânica, o contraste entre as praias arenosas a leste e as imensas arribas a precipitarem-se para o Mediterrâneo nas encostas viradas a oeste.

Para verdadeiramente perceber os encantos de Santorini, a sua magia, o feitiço da arquitectura minimalista, simplista e peculiar sempre debruada a azul, um azul intenso que nasce do mar, é necessário lá ir. Ou então provar os maravilhosos vinhos brancos da ilha, vinhos minerais e intensos como poucos, vinhos frescos, brilhantes e assertivos. Só assim se poderá perceber a atracção magnética de Santorini.

Em Santorini tudo é intenso, épico, histórico e vertiginoso, a começar pela paisagem mas também pela história humana e geológica. Uma intensidade e veemência que se mantém no clima e nos vinhos únicos da ilha, nos brancos extraordinários, nascidos daquela que é uma das melhores castas brancas do planeta, o Assyrtiko.

Santorini é uma ilha onde os paradoxos abundam. Apesar de perfeito para as férias estivais, o clima quente e seco, sem pinga de precipitação ou humidade entre Abril e Setembro, sempre descoberto e soalheiro, é um dos principais obreiros da personalidade ímpar dos seus vinhos. Só mesmo o vento intenso pode estorvar na declaração de paraíso terreno, embora seja esse mesmo vento que salva e condiciona as vinhas de Santorini.

Apesar de perfeito para o ócio, o clima é quase desastroso para a vinha. A escassez de água é dramática, revelando-se insuficiente mesmo para o consumo humano. Os solos vulcânicos são pobres, rochosos e secos, implicando rendimentos quase ridículos de tão áridos. As temperaturas altas, aliadas aos ventos quentes e secos, desidratam os bagos de tal forma que a vindima costuma começar ainda no início de Agosto, muitas vezes antes de a maturação estar concluída na perfeição. Tudo isto com vinhas com uma média de idades que ultrapassa os cem anos.

A falta de água é tão severa, a infertilidade do solo tão marcada e os ventos tão inflamados que a condução das vinhas teve de se acomodar às circunstâncias. Quase rasteiras, enroladas sobre si próprias numa espiral ascendente, num esforço para concentrar e canalizar a condensação da rara neblina matinal para as raízes das plantas. Um pouco menos de um milhar de hectares de vinhas espalhadas numa paisagem árida que conta com mais de cem variedades autóctones a povoar a paisagem. Destas destaca-se claramente o Assyrtiko, casta emblemática de Santorini e uma das variedades mais interessantes do Mediterrâneo. Não sendo especialmente exuberante nos aromas, consegue oferecer vinhos de estrutura férrea, violentos na mineralidade, incisivos na acidez, visceralmente equilibrados, densos e profundos. Vinhos relativamente alcoólicos mas extraordinariamente frescos, num estilo que a situa muito mais próximo do paradigma do Loire que dos climas mediterrânicos.

Entre os muitos grandes vinhos de Santorini merece especial destaque o Sigalas Assyrtiko. Um vinho de uma casta que, apesar de extraordinária, não é fácil ou amigável. O Assyrtiko é uma casta impulsiva, com temperamento de diva, difícil… mas irresistível. É conhecida pela acidez eléctrica, pelo corpo volumoso e enorme frescura, pela mineralidade assanhada, pelo grau alcoólico elevado e pela quase total ausência de aromas primários de fruta. Dito assim, de forma tão despida, poderá até nem impressionar muito. Mas é precisamente essa acidez felina, o volume, o álcool e o extracto seco anormalmente elevado que lhe proporcionam uma textura incomparável e condições naturais para viver e crescer em garrafa durante décadas, variável muito pouco habitual nos vinhos brancos mediterrânicos.

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