Fugas - Vinhos

Pablo Sanchez/Reuters

Rioja, o coração vinhateiro de Espanha

Por Rui Falcão

Espanha é um país de contrastes e de extremos, imenso quando entendido à escala europeia, um país onde tradição e modernidade convivem de mãos dadas.

Um país que mantém regras únicas que não se aplicam em nenhum outro país produtor de vinho definindo a hierarquia qualitativa dos vinhos em função do tempo de estágio em madeira e garrafa. Espanha é um gigante na dimensão geográfica, apresentando-se como o maior país europeu na área de vinha plantada, sendo capaz de elevar uma casta cinzenta e anónima que é plantada exclusivamente em Espanha, a Airén, à dúbia condição de casta branca mais plantada no mundo.

Espanha é, acima de tudo, conhecida por uma região, Rioja, a única de dimensão verdadeiramente internacional, a única conhecida e admirada entre os entendedores da matéria e consumidores ocasionais. Apesar de muitas outras regiões espanholas terem surgido e terem conseguido afirmar-se ao longo das últimas décadas, a Rioja tem conseguido permanecer como a região vinícola espanhola de excelência dentro e fora das fronteiras espanholas. Todos os dias são pedidas milhares de garrafas de Rioja pelos muitos milhares de espanhóis que se entretêm a beber um copo de vinho com os amigos ainda antes das refeições pedindo um Rioja genérico que quase invariavelmente será um Crianza.

Mas não foi sempre assim e a Rioja é uma região relativamente recente pelos padrões clássicos das regiões europeias. Na verdade a Rioja nasceu, e sobretudo floresceu, fruto da maior calamidade que alguma vez atingiu o mundo do vinho, a filoxera. Por muito que isso possa custar ao orgulho de um país e de uma região, a Rioja nasceu pelas mãos dos franceses como consequência da catástrofe da filoxera que se instalou em Bordéus no final do século XIX.

Depois de se verem sem vinhas, sem vinho e arruinados pela devastação da filoxera, os produtores bordaleses viram-se forçados a seguir rumo ao Sul, instalando-se no Norte de Espanha à procura de regiões onde a filoxera ainda não tivesse chegado. Sem vinhas para abastecer as casas francesas, foi para a Rioja que muitos se dirigiram para se estabelecer como produtores. Entre 1870 e 1890 instalaram-se na Rioja muitas das casas de maior prestígio, a maioria das quais ainda hoje actuais, muitas delas fundadas por franceses oriundos de Bordéus.

Os franceses trouxeram com eles o método de fermentação em largos balseiros de madeira e posterior envelhecimento em barricas, que rapidamente se substituiu às práticas arcaicas que desde sempre tinham marcado os vinhos de Rioja e Navarra, os chamados vinhos cosecheros, que se limitavam a uma versão obsoleta de maceração carbónica que facilitava a produção de vinhos de vida muito curta para consumo local. A principal idiossincrasia de Rioja foi a introdução de estágios prolongados, por vezes muito prolongados, envelhecendo os vinhos em madeira de carvalho americano em detrimento do carvalho francês. Com frequência os vinhos eram abandonados nas barricas até a casa conseguir arranjar comprador para o lote, condição que acabou por se transformar na bandeira e imagem dos vinhos da região.

A Rioja é feudo da casta Tempranillo, conhecida em Portugal pelos nomes Tinta Roriz ou Aragonês, encarada como cavalo de batalha e insígnia da viticultura espanhola, representando 80% do encepamento da Rioja. Uma ascensão meteórica que transformou por completo a paisagem e a filosofia dos vinhos da região, quando nos recordamos que no início dos anos oitenta o Tempranillo limitava-se a ocupar pouco mais de 30% do total de vinhas de Rioja.

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