Fugas - Vinhos

MIGUEL MANSO

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A santíssima trindade de vinhas, vinhos e mar

A segunda consequência fisiológica da maturação da uva é conhecida como respiração ou transpiração, traduzindo o modelo pelo qual a videira queima alguns dos ácidos presentes na uva. Da mesma forma que a fotossíntese, a respiração ou transpiração é condicionada e regulada pelo calor ambiente, indicando que as uvas perdem a acidez mais rapidamente em condições de calor e insolação pronunciadas. Condições e circunstâncias que evidenciam que os vinhos de climas mais frescos e húmidos temperados pela influência marítima apresentam por regra um perfil mais elegante, fresco, leve e preciso que os vinhos oriundos de climas quentes, acrescentando uma tensão e vivacidade que são difíceis de encontrar em vinhos provenientes de regiões de climas mais quentes e secos.

Quanto mais a norte no hemisfério setentrional ou mais a sul no hemisfério austral, menor será a temperatura e menor será a incidência solar. Mas para além do afastamento da linha de Equador e da altitude, também ela condicionante da temperatura, a proximidade ao mar e à influência marítima é um dos principais factores de regulação e moderação da temperatura ambiente. A proximidade de grandes massas de água, sejam elas o mar, estuários de rios, mares interiores ou grandes lagos de água doce, ajudam a moderar as temperaturas de forma maciça, para além de acrescentarem beleza e dramatismo à paisagem vinhateira.

As paisagens condicionadas pelo mar são frequentemente descritas como um termo intermédio face à agressividade das regiões de clima continental e mediterrânica. Tal como nas regiões mediterrânicas as regiões de clima marítimo caracterizam-se por um longo ciclo de amadurecimento graças à presença de correntes de águas frias e às brisas marítimas que moderam as temperaturas e as horas de insolação. Ao contrário, porém, das regiões de clima mediterrânico, que se evidenciam pela secura de clima, as regiões de clima oceânico são frequentemente assoladas por chuvas que depositam água no solo, repondo as reservas freáticas necessárias à sobrevivência da videira. Chuvas que podem ser tão abundantes e condicionadoras do clima que poderão acabar por coagir de forma severa os vinhos produzidos nestas regiões.

Mas, apesar de sistematicamente belas e todas as benesses impostas pelas chuvas intensas, as regiões vinhateiras de forte influência marítimas nem sempre são um mar de rosas. Algumas mais extremadas, como as denominações de Colares, Biscoitos, Graciosa, Pico ou Txakolina, têm mesmo de lutar pela simples tarefa de amadurecer as uvas. Para estas regiões, a luta chega ao ponto da simples viabilidade, obrigando a travar uma batalha constante para conseguir obter uvas suficientemente maduras que autorizem a elaboração de vinho de forma consistente.

Outras paisagens, entre as quais se destaca a ilha grega de Santorini, continuam a sofrer das amarguras do clima quente e seco da região, apesar da influência saudável e retemperadora do mar. Neste caso poderíamos mesmo garantir que sem a influência directa do mar mediterrânico os vinhos de Santorini pura e simplesmente nem existiriam. O que estas regiões têm em comum, para além do clima moldado pelo mar, é uma beleza extrema que só os grandes mares e oceanos conseguem emprestar. Uma beleza selvagem e endémica que se apresenta diferente em cada região mas que garante uma monumentalidade e beleza plástica às vinhas e aos vinhos que nenhum outro elemento conseguiria igualar.

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