Fugas - Vinhos

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O nome dele é Moreira, Jorge Moreira

Por Manuel Carvalho, José Augusto Moreira

Vinte anos depois da primeira vindima, o autor dos Poeira decidiu celebrar. Balanço de um enólogo perfeccionista e irrequieto.

“Parece que foi ontem.” Jorge Moreira está de costas para o majestoso cenário do vale do Pinhão a falar da viagem de duas décadas que o colocou num lugar de destaque na enologia do Douro — e de Portugal. Desde o dia em que saiu do curso da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e entrou como estagiário na Real Companhia Velha até hoje, tudo ou quase tudo mudou.

O jovem que foi estagiar sem remuneração tornou-se o autor de alguns dos vinhos mais interessantes do Douro contemporâneo; o trabalhador por conta de outrem reuniu meios para comprar uma quinta no coração do vale onde produz o consagrado Poeira; o Douro que o acolheu em 1996 deixou de lado as hesitações sobre o futuro dos DOC e afirmou-se como uma região capaz de produzir vinhos tintos e brancos de classe mundial.

Jorge Moreira faz o balanço do que aconteceu: “Pus-me a pensar sobre o que tinha feito para ter dado certo e cheguei à conclusão que tive a sorte de conhecer pessoas que me ensinaram, que me inspiraram, que me deram bons exemplos”, sublinha.

Se há um ângulo diferente na abordagem do percurso de Jorge Moreira entre a Real Companhia Velha, a Quinta de La Rosa, o seu Poeira ou o projecto MOB, no Dão, há precisamente que procurá-lo no trabalho de uma geração. Fernando e João Nicolau de Almeida, Jorge Pintão ou José Maria Soares Franco foram pioneiros na aventura dos DOC Douro, mas quem consolida a mudança de uma região com um vinho para uma região com muitos vinhos foi a geração de Jorge Moreira.

E na definição de um colectivo capaz de romper as tradicionais barreiras do egoísmo do Douro há um personagem destacado: Dirk Niepoort. “Ele inspirou-nos a fazer diferente. Dizia-nos para assumirmos que os nossos vinhos têm qualidade mundial. Ensinava-nos a não guardar segredos, a trabalhar em conjunto. O Douro existe assim por causa do Dirk”, diz Jorge Moreira.

Não admira, por isso, que na celebração dos seus 20 anos de carreira Jorge Moreira tenha convocado os amigos. Dirk Niepoort, mas também Jorge Serôdio Borges ou Francisco “Xito” Olazabal (todos homens da UTAD), os patrões que lhe deram um empurrão decisivo, como Pedro Silva Reis ou Sofia Bergqvist, o primeiro importador, o belga Kris Jeuris, Luís Lopes, director da Revista de Vinhos, publicação que durante décadas funcionou com uma espécie de farol da mudança do vinho nacional, o chefe da viticultura da Real Companhia, Álvaro Martinho Lopes, o parceiro dos primeiros passos, Pedro Ferreira, ou a sua mulher, Olga Martins. Cada um tinha a incumbência de falar sobre um vinho. Desde um Cabernet Sauvignon da colheita de 1996 que Jorge Moreira, um principiante, fez numa pequena tina na Real, até ao fabuloso Poeira Ímpar de 2009, uma obra-prima de definição, de textura e de harmonia.

Nessa viagem entre brancos e tintos do Douro coube ainda a prova de um MOB (projecto com Jorge Serôdio Borges e Francisco Olazabal, no Dão), um Late Harvest Granjó de 2012 e dois Porto Vintage da Real Companhia e de La Rosa. Mas é nos DOC que Moreira fez a diferença. Vinhos que se distinguem pela elegância e pela precisão, onde nada falta e onde nada parece estar a mais. “O que mais me apaixona no vinho é a intervenção do homem sobre a natureza”, diz Jorge Moreira — um ponto com o qual Dirk Niepoort discorda — “por vezes o homem só estraga”.

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