Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Que vinho para a ceia de Natal?

Por Rui Falcão

O Natal está mais uma vez à porta e com ele avizinham-se as naturais e recorrentes preocupações com as comemorações familiares, sobretudo com a ceia de Natal e o almoço do dia seguinte.

A única não preocupação é a refeição tardia do dia de Natal, o momento em que cada família recria a sua versão original da chamada “roupa velha”, essa arte tão portuguesa de saber reciclar o que sobrou das refeições anteriores transformando-as em algo sublime e inventivo que certifica a propensão natural nacional para o improviso.

Muito provavelmente este ano a ementa não será muito diferente do costumeiro, seja essa memória consentânea com a tradição regional ou com a tradição familiar de cada lar. Para o bem e para o mal, não se inova particularmente nas refeições destas épocas festivas e pouco ou nada se muda nas tradições alimentares familiares desta quadra. Poucos fugirão do bacalhau ou do polvo para a ceia de Natal e ainda menos fugirão da imposição do peru assado ou do cabrito frito para o almoço natalício. Mas se a preferência gastronómica despertará poucas dúvidas para a larguíssima maioria dos portugueses, talvez o mesmo não se passe no momento da escolha do acompanhamento vínico, tema sempre sujeito a hesitações e mitos que obrigam a dúvidas existenciais.

A pergunta quase se podia resumir à eterna incerteza sobre qual o melhor estilo de vinho para acompanhar o bacalhau, se optar por um vinho tinto ou escolher antes um vinho branco para a harmonização. Mas as indecisões recaem igualmente sobre qual o tipo de vinho que deveremos seleccionar para o momento, qual a região, em que patamar de preço nos devemos situar e finalmente qual a quantidade a eleger. Ou se preferirem, qual a diversidade exigida, se um vinho basta ou se deveria antes alargar as escolhas, deixando a tarefa do discernimento aos convidados?

Num momento do ano em que todos recebemos amigos ou familiares em casa, num momento que privilegia a partilha, numa época onde se promove o convívio (mesmo que em alguns casos forçado), é fácil sentir uma boa dose de angústia perante a difícil decisão de qual a garrafa ou garrafas a abrir. Mais ainda quando se pensa nos tais vinhos notáveis que foram guardados propositadamente e com todo o carinho para uma data especial.

No meio de tantos familiares e amigos convidados haverá sempre quem revele pouca sensibilidade ou pouco interesse pelo vinho. Muito provavelmente essa percentagem estará mesmo em maioria, lançando dúvidas sobre se valerá o esforço de abrir uma garrafa especial que muito dificilmente será valorizada ou apreciada pela maioria. Por isso, e salvo a felicidade e coincidência de estar integrado numa família ou grupo de amigos especialmente motivados para o vinho, o Natal e as épocas festivas raramente são a melhor ocasião para abrir vinhos únicos ou vinhos mais extremados, que se afastam dos gostos mais fáceis e mais consensuais.

Talvez ainda mais que embarcar numa viagem regada com vinhos muito valiosos, deverá ter especial cuidado para escolher vinhos que sejam mais fáceis de entender, vinhos menos radicais e de percepção mais directa, que possam ser apreciados por todos. Deixe de lado aqueles vinhos que se aproximam mais de gostos cultivados que só o tempo conseguiu criar e que requerem uma abertura de espírito que só uma minoria poderia valorizar. O Natal não será a melhor quadra para abrir vinhos laranjas, vinhos sem fruta ou vinhos com muita idade, que os paladares formatados raramente valorizam.

--%>