Fugas - Vinhos

  • Rui Gaudêncio
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Vítor Claro escolheu a vinha mais romântica

Mas, apesar de toda essa dedicação, tiveram um azar na adega e “metade do vinho desse ano foi à vida”. “Falei com a Rita e disse ‘Vamos pegar no material todo que temos e fazer o vinho na garagem’”. Rita recorda esses primeiros tempos em que andaram à volta da vinha. “Descobrimos, passado uma semana ou duas, que todos os vizinhos já sabiam que andávamos aqui e que estávamos a fazer tudo mal.” Mas rapidamente um dos vizinhos veio ajudá-los e mostrar como se devia fazer.

E eles foram aprendendo. Perceberam que o registo que existia da vinha era de 1974 e que, sendo ela mais antiga, era difícil identificar com exactidão todas as castas que tinha. Certo é que o vinho que daqui sai é um field blend, o que significa que as uvas de diferentes castas estão misturadas na vinha. E é precisamente esse carácter que Vítor e Rita querem manter.

Puro, natural, simples

Vamos então conhecer os vinhos. Há dois tintos e um branco. O Dominó Salão Frio é tinto, feito com uvas desta propriedade, excluindo o Moscatel, e leva 15% de uvas brancas. “Não temos desengaçador, não tiramos as grainhas, esmagamos metade das uvas e vamos alternando na cuba entre uva esmagada e uva inteira. Ficam a macerar sem pisar, entre 60 a 90 dias”, descreve Vítor, convidando-nos a entrar na garagem onde os vinhos estão. “Não usamos enzimas [para a fermentação], o único químico que usamos é o sulfuroso, mas apenas para desintoxicação e o mínimo possível. Não usamos leveduras porque o vinho já tem suficientes.”

O Foxtrot, também tinto (embora leve uvas brancas), “é posto nas dornas e pisado durante sete dias porque aí o que interessa é uma extracção rápida”. O que se pretende é que “o Dominó seja um espelho da complexidade das vinhas velhas e o Foxtrot seja um vinho guloso, que mostre o que são vinhas de altitude”. Por fim, há o Dominó Branco, que é feito com as uvas da propriedade de Celestino, vizinho e amigo, a vinha Monte Pratas, com 90% de brancos. “É um vinho puro, que revela a complexidade das vinhas da serra.

Com o Moscatel, que não usam nestes vinhos, estão a fazer com a José Maria da Fonseca, uma experiência: “Um vinho cor-de-laranja escuro mas sem oxidação”, em que a ideia é “pensar no Moscatel como uma uva tinta e não como uva branca”.

Puro, natural, simples. Foram sempre palavras aplicadas à cozinha de Vítor Claro e continuam a aplicar-se agora ao seu vinho. “São vinhos mais medievais, com tudo o que a vinha tem.” Descreve-os também como “vinhos de agricultor”, com um nível alcoólico ideal de 12 graus, porque os agricultores levavam-nos no garrafão para o campo e um vinho que se bebe enquanto se trabalha tem que ser leve. “Aquela coisa do vinho que cheira a compota e se come à colher, é para barrar no pão.”

E, no entanto, “é um perfil que ainda não é bem aceite em Portugal”, reconhece o casal. Mas porque é que haveriam de escolher o mais fácil? Se se encantaram com uma vinha difícil, que exige muito mais trabalho e atenção, porque iriam escolher um perfil de vinho fácil?

Além disso, estão convencidos de que se trata de um perfil, “menos maduro, mais verde e ácido”, que será cada vez mais apreciado em Portugal — “Dirk está a fazer na Bairrada vinhos com este perfil e de nível mundial”, sublinha Vítor — e que já é bastante procurado noutros países. Daí que a aposta para o Dominó e o Foxtrot seja neste momento na exportação — que já está a acontecer para os Estados Unidos, Inglaterra, Bélgica e França.

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