Fugas - Vinhos

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Sogrape: a empresa que se dá bem com as amizades e as crises

Três meses depois foram lançados os primeiros vinhos, comprados no Douro, sob as marcas Cambriz, Vila Real Branco, Granado Tinto e Mateus Rosé. As três primeiras já não existem, mas o Mateus Rosé conseguiu converter-se numa marca global e sobreviver até hoje. Em boa verdade, tudo o que a Sogrape é deve-o ao Mateus Rosé. Não admira, por isso, que não tenha havido champanhe na grande festa do passado dia 27 de Janeiro. O vinho de boas-vindas foi o famoso rosé, o mesmo que causou uma epifania ao guru Robert Parker, quando, durante a sua lua-de-mel, passou por Portugal e se encantou com o vinho. O mesmo rosé que conquistou personalidades famosas como Jimmy Hendrix, Elton John ou a rainha de Inglaterra; que foi servido em cimeiras destinadas a aplicar sanções a Portugal; e que levou o comandante Frank Borman, o primeiro astronauta a circundar a Lua, a dizer: “Só lamento, quando voava à volta da Lua, não ter vinho Mateus para me deliciar.”

O facto de se tratar de um vinho apelativo com uma garrafa diferente e um marketing arrojado e original ajudou ao sucesso do Mateus Rosé, mas o factor decisivo, como fez questão de enfatizar o actual presidente da empresa, foi o modo de estar nos negócios do seu avô e fundador, Fernando Van Zeller Guedes. A forma como a Sogrape entrou a sério em Londres, a montra mundial do vinho, numa altura em que a empresa atravessava dificuldades, na sequência da quebra do mercado do Brasil, é reveladora dessa ética negocial. Em 1956, Fernando Van Zeller Guedes foi visitar Sidney Rawlings, o director da influente distribuidora Rawlings & Sons, no hospital St. Thomas, em Londres, onde entrara com problemas cardíacos.

Os dois simpatizaram um com o outro e Sidney Rawlings prometeu-lhe estudar uma possível parceria quando saísse do hospital. Depois de regressar a Portugal, a Sogrape recebeu uma encomenda do restaurante Braganza, de Londres, de 200 caixas de vinho. Fernando Van Zeller julgou que a encomenda tinha sido intermediada pela Rawlings & Sons e mandou enviar uma nota de crédito à distribuidora com o valor da respectiva comissão.

Algum tempo depois, recebeu um telefonema da Rawlings, a dizer-lhe que não tinham direito a essa comissão, porque não tinham sido intermediários, mas que, a partir daquele momento, aceitavam ser os agentes da Sogrape em Inglaterra. Quinze anos depois, a Rawlings & Sons já comercializava 340 mil caixas (mais de 4 milhões de garrafas) de Mateus Rosé.

Depois de Londres, o sucesso do Mateus estendeu-se aos Estados Unidos — país que, em 1974, após a Revolução de Abril, importou 20 milhões de garrafas, temendo que Portugal se convertesse numa nova Cuba e a marca pudesse acabar — e nunca mais parou.

Foi com os lucros do Mateus Rosé que a Sogrape começou a ganhar músculo e a expandir-se para além da sua região seminal, o Douro. Primeiro ao Dão, depois à Bairrada, a seguir aos Vinhos Verdes e mais tarde ao Alentejo. Pelo meio, em 1987, reforçou a presença no Douro, com a compra da histórica A. A. Ferreira, incorporando três quintas emblemáticas da região e tornando-se líder no mercado nacional de vinhos do Porto, para além de passar a ter no seu portefólio o mais famoso vinho tinto português, o Barca Velha. Em 1995, adquiriu a Forrester, detentora da marca Offley, e, em 1997, deu o primeiro grande passo na sua estratégia de globalização, com a compra da Finca Flichman, em Mendoza, uma das maiores empresas de vinhos da Argentina.

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