Mas, percebemos, é isto que estes percursos no Soalheiro têm de bom: não são chapa cinco e vão-se adaptando aos interesses que os visitantes vão demonstrando. “A visita é tanto melhor quanto mais a pessoa pedir de nós”, sublinha Luís.
O tal ovo preto que nos chama a atenção é uma inovação — têm apenas dois — e uma alternativa às cubas de inox e às barricas. “O Soalheiro Clássico, Primeiras Vinhas e Reserva tem vinificações mais tradicionais, no inox e na barrica, mas para o Terra Matter, que é o bio, usamos este conceito do ovo, muito ligado à biodinâmica”, prossegue Luís.
“Esta forma faz com que não existam arestas e como é mais largo em baixo, quando há altas pressões e baixas pressões há uma variação do volume do líquido, o que induz movimento e faz levantar a borra, que dá estrutura ao vinho, uma sensação de doce sem ser açúcar. Aqui isso é feito de forma natural levantando apenas a borra fina, enquanto nas barricas se faz a bâtonnage mecânica, que levanta a borra fina e a grossa.” Provamos o Terra Matter, ainda no ovo, e o enólogo nota que “faz salivar”. “Não é um vinho muito óbvio, como o Soalheiro Clássico, que é logo uma explosão de fruta. Aqui queremos a elegância.”
E seguimos adega fora para provar o mesmo vinho tirado de uma barrica, onde a oxigenação é maior que no ovo (este, sendo de cimento, tem uma microporosidade) e, por fim, de uma cuba de inox. A presença dos taninos da madeira, amargos, acentua a presença de ácido no vinho, embora “a química seja exactamente igual”. No final, brinca Luís, tendo percebido as diferenças, já estamos prontos para fazer lotes.
Fazemos uma rápida passagem pelo exterior, para perceber o território, rodeado por serras, que permite ao Alvarinho revelar-se no seu melhor, graças à grande amplitude térmica que aqui existe, e seguimos para a Quinta de Folga, onde iremos almoçar.
O fumeiro e o porco bísaro
Agora é Maria João que vai assumir o papel de guia e contar-nos como em 2007 começaram a ter aqui o porco bísaro, uma raça do Norte do país, que esteve quase extinta mas que tem vindo a ser gradualmente recuperada (sobretudo a partir de Trás-os-Montes) e que está ligada à produção de carne para os tradicionais fumeiros regionais.
“O receituário dos nossos produtos foi conseguido através da recolha de informação de várias pessoas da região, entre a minha avó e outras senhoras, que vieram fazer cá as receitas. Elas não conseguiam dar as receitas escritas, tinham que as executar. Cada um de nós andava com uma senhora e tomávamos notas de, por exemplo, quanto sal usavam. Elas tiravam à mão e nós pesávamos para ver quanto era.”
Os animais são abatidos no matadouro, as carcaças chegam aqui onde se separa a carne para os enchidos (chouriça de carne, salpicão, chouriça de sangue e alheira) da carne fresca (lombo, cachaço e costelinha), que é guardada para os eventos. E depois há, claro, a estrela: o presunto, que tem uma cura de três anos.
Passamos pela sala de salga dos presuntos e depois por outra onde são deixados a maturar e, por fim, pelo fumeiro, onde é utilizada apenas madeira de carvalho. “É uma lenha não resinosa e tem uma combustão lenta, que é o que nos interessa porque alguns produtos, como o salpicão, ficam um mês no fumeiro”, explica Rui Lameiro, o marido de Maria João.