Fugas - Vinhos

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Uma viagem no tempo à boleia do vinho do Porto

Por Manuel Carvalho

O Porto Extravaganza foi um festival de memórias e de delícias. Em três provas raras, Dirk Niepoort mostrou a classe dos seus garrafeiras, Paul Symington a excelência dos vinhos da família e vários Porto do século XIX serviram para mostrar o que o tempo faz aos grandes vinhos.

O propósito era uma viagem no tempo, até ao distante ano de 1882, quando o jovem Andrew James Symington chegou ao Porto para trabalhar nas fábricas têxteis da família Graham’s. Mas a viagem fez-se com extravagância. Com uma série de 13 vinhos do Porto que, mais do que revelar um álbum de família, mostram muito da própria da história do Douro e das caves de Gaia. Num sábado à tarde, umas 50 pessoas puderam sentir a razão pela qual o vinho do Porto é um dos grandes vinhos do mundo. Porque dura — e quando é grande a sua resistência ao tempo confere-lhe a excelência que se sente no Vintage de 1945 ou no Ne Oublie, um extraordinário Porto Colheita de 1882.

A sessão “Vinhos do Porto lendários da família Symington dos últimos 135 anos” fazia parte do Porto Extravaganza, organizada por Paulo Cruz — um militante do vinho do Porto e dono da loja Bar do Binho, em Sintra. No dia anterior, Dirk Niepoort tinha mostrado a razão da fama dos seus Porto garrafeira, com uma série de vinhos excepcionais, com destaque para a preciosidade do 1931, com aromas de mel, chá preto e uma intensidade e longevidade na boca admiráveis, ou ainda o 1933, um prodígio de frescura e complexidade. E, já na sessão final, a “extravagância” continuou com vinhos extraordinários — dos que foi possível provar, destaque para um Quinta do Roncão de 1871 absolutamente vivo e genial. 

Sinal dos tempos, os vinhos escolhidos por Paul Symington para o Extravaganza dividiam-se em duas séries, a primeira dedicada aos vintage, a segunda aos colheita — a dedicação das casas “inglesas” aos tawnies, categoria na qual se integram os colheitas e que se distingue pelo facto de os vinhos envelhecerem em casco, ao contrário dos vintages, que evoluem no tempo na garrafa, é razoavelmente recente. “Antigamente, os tawnies dos ingleses eram fracotes e os vintage dos portugueses não eram excelentes. Depois dos anos de 1990 isto deu uma volta muito grande”, notou Paul Symington.

A prova dos vintage começa com dois vinhos que mereceram avaliações unânimes na imprensa nacional e internacional — 100 pontos em 100 na Wine Spectator, por exemplo. Os Dow’s de 2007 e de 2011 estão ainda na sua primeira infância, mas o seu potencial é absolutamente extraordinário. Deste século, foi ainda apresentado o 2000, um vinho que na altura do lançamento era deslumbrante e continua a mostrar uma harmonia notável entre a sua estrutura tânica, a sua acidez e o poder da fruta. É um vinho que em breve começa a entrar na sua fase de aprimoramento. 

Como não podia deixar de ser, a década de 1990 foi representada pelo 1994, um vintage que de alguma forma é precursor da nova geração da categoria — com os taninos e a acidez mais temperados à nascença e um poder de fruta ainda mais acentuado. Está em grande forma.

A década de 1960 foi grande e acabaria com uma declaração extraordinária, a de 1970. Se fosse necessário eleger um vinho que, de alguma forma, pudesse sintetizar o que de melhor tem o Vintage Port, não ficaria mal escolher o Graham’s de 1970. É um vinho indescritível pelo espectro dos seus aromas, pelo primor da sua definição, pelo volume de boca, pelo seu final limpo e longo. Contrariamente ao que se tinha verificado em provas anteriores, o 1963 da Graham’s estava numa forma extraordinária — glicérico, dominador do nariz e do palato como se fosse um vinho jovem, cheio de garra e de subtileza. Pelo meio, provou-se ainda o 1966, um ano injustamente ignorado: o Dow’s desta vindima apresentou-se cheio de personalidade, frescura e impacte.

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