Quem é demasiadamente conhecido, corre o risco de começar a ficar esquecido. Toda a gente sabe que a pessoa existe, tem-na em grande apreço, mas importa-se pouco com ela porque está convencida de que o seu prestígio basta. A certa altura da sua vida, a actriz Maria Rueff queixava-se deste fenómeno. Gostavam muito dela, mas não a convidavam porque achavam que tinha trabalho de sobra e que era demasiado cara. Com Paulo Laureano, o homem do bigode monárquico, passa-se algo semelhante. O seu trabalho como criador de vinhos e consultor é notável, toda a gente o respeita, mas talvez não esteja a ter o reconhecimento mediático que merece. Paulo Laureano está ligado a inúmeros vinhos. No continente, como consultor, o Mouchão é o mais sonante; nas ilhas, são os Curral Atlantis (Pico) e os Terras do Avô (Madeira). Mas o seu grande mérito é ter ido contra a corrente na sua região de origem, o Alentejo.
Ao mesmo tempo que um elevado número de produtores alentejanos, novos e velhos, ia povoando as vinhas de castas estrangeiras, conduzindo a uma crescente perda de identidade (ver crónica “De Espanha, nem bom vento, nem bom exemplo”), Paulo Laureano direccionou a sua aposta enológica para as castas portuguesas. E faz gala disso. No contra-rótulo dos seus vinhos está lá o seu manifesto: “Acredito nas nossas castas, na suas cores, nos seus aromas e sabores, por isso elegi-as como suporte dos meus vinhos. A minha aposta é desenhar vinhos exclusivamente com castas portuguesas, vinhos feitos com o que é nosso, aquilo de que todos nos orgulhamos.”
Paulo Laureano percebeu que o que pode diferenciar Portugal no universo do vinho é o seu enorme património genético, a sua originalidade. A expansão mundial das melhores castas francesas e os avanços enológicos estão a deixar os vinhos cada vez mais iguais e o consumidor actual procura, acima de tudo, vinhos diferentes e originais, se possível associados a uma paisagem com beleza e história. À ditadura do Syrah ou do Cabernet Sauvignon, Paulo Laureano responde com a autenticidade e a adaptação cultural da Trincadeira ou da desconhecida Tinta Grossa; ao avanço do Chardonnay e do Viognier, reage com Antão Vaz ou Verdelho.
Mais do que um regionalista, Paulo Laureano é, sobretudo, um nacionalista. Para o seu branco Verdelho trouxe as varas da Madeira. Muito do Verdelho que se vende por aí ou é Gouveio ou é Verdejo, casta da região espanhola de Rueda. Tem também um tinto de Alfrocheiro (Dão) e um rosé deTouriga Nacional (com Aragonez), duas variedades com tradição noutras zonas do país. Mas a sua dedicação à causa alentejana é inquestionável.
Em 2006, sete anos depois de ter iniciado, com uma pequena vinha junto a Évora, o seu projecto familiar, Paulo Laureano comprou 75 hectares de vinha na Vidigueira (um dos três grandes terroirs alentejanos, juntamente com a serra de Portalegre e Estremoz), sediando aí a sua adega. O encepamento é exclusivamente nacional. Nas castas brancas, dominam o Arinto, o Roupeiro e o Antão Vaz (a grande casta da Vidigueira); nas tintas, imperam a Trincadeira, o Alicante Bouschet e a pouco conhecida Tinta Grossa, a “Tinta da Nossa”, como é conhecida localmente, e que estava quase extinta.