Voltamos às recordações que a avó Mimi tem de Abel Pereira da Fonseca. “Era uma pessoa generosa, tinha a carteira sempre aberta para os outros”, diz. Apesar de ter nascido nas Beiras, instalou-se no Bombarral e tornou-se de tal forma um filho da terra que chegou a ser presidente da Câmara. A nora recorda ainda que “era muito católico” e que “quando houve protestos e incendiaram a igreja do Bombarral, ele pôs a capela da Quinta das Cerejeiras à disposição da população.”
Esta foi sempre uma região produtora de vinho e, vários séculos antes, estas terras tinham pertencido aos monges de Cister de Alcobaça, que tinham vinhas. No início do século XX, Abel veio avaliar propriedades e decidiu comprar as três quintas na Região Demarcada de Óbidos.
“O que o interessou no Sanguinhal foi o potencial industrial que a quinta tinha”, sublinha Diogo. Além disso, a localização era — e continua a ser — muito boa. “Temos a serra do Montejunto, que protege esta zona do calor, o que dá vinhos com muita frescura. Nunca temos aqui mais de 32º ou 33º graus.”
A sua produção trouxe inovações: plantou as primeiras vinhas extremes (sem árvores de fruto misturadas), alinhadas e aramadas, e dividiu-as em talhões divididos por castas, o que não era habitual na época.
Mas Abel Pereira da Fonseca não era apenas mais um produtor de vinho. A sua carreira de empresário começara com a distribuição e para isso tinha fundado, em Lisboa, em 1906, a rede de lojas Val do Rio, uma espécie de precursora das actuais cadeias de supermercados. Um folheto de preços publicado em 1948 traz um resumo da história destes estabelecimentos: “O papel dos estabelecimentos Val do Rio, da Sociedade Comercial Abel Pereira da Fonseca, no abastecimento da capital, tem sido intenso desde o princípio deste século. Funcionando como armazéns reguladores e estabilizadores de preços, conquistaram rapidamente a sua clientela entre as boas donas de casa que procuram na qualidade e barateza, sem rival, dos produtos que vendem, a certeza de empregar bem o seu dinheiro.”
O texto sublinha ainda o papel das lojas Val do Rio no “abastecimento público de produtos de primeira necessidade” nos “períodos anormais criados pelas guerras de 1914 e 1939”. E refere que estes estabelecimentos, perto de uma centena, situam-se “tanto no aristocrático Chiado como na viela mais humilde de Alfama”. E neles, em instalações mais higiénicas do que as tradicionais tabernas, vendia-se vinho ao balcão e vários outros produtos.
“Vinho sem rival”
O edifício mais emblemático do império Abel Pereira da Fonseca, em Lisboa, situava-se (e situa-se ainda) em Marvila, junto ao rio Tejo. Trata-se de um projecto de 1917 do arquitecto Norte Júnior e ficava perto do rio por razões óbvias: era por barco que as pipas de vinho produzidos nas propriedades do Bombarral e as várias bebidas licorosas produzidas pela empresa deixavam a capital para serem exportadas para países como o Brasil, os Estados Unidos, a Suécia e enviadas para as excolónias portuguesas em África — daí o símbolo da Abel Pereira da Fonseca ser um barco. A este junta-se outro meio de transporte que foi essencial para a empresa: o comboio. Era a linha do Oeste que permitia trazer até Lisboa o vinho produzido nas quintas do Bombarral.