Fugas - Vinhos

  • Rui Gaudêncio
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Um século depois, ainda se aprende com Abel Pereira da Fonseca

Voltemos ao livro dos rótulos para perceber a dimensão do que se produzia e as tendências da época. Há o Catete, “vinho licoroso do sul”, com um rótulo de inspiração tropical, há o Missa, “vinho preparado segundo as leis canónicas”; o “vinho tónico Toureiro”, “poderoso reconstituinte à base de carne”, que protege “a saúde do indígena”; há o Clarete “reserva especial do Café Gelo; outro “reserva especial para os lanches da Nacional”; e o Menagem, “o vinho preferido pelos aristocratas”; e, curiosamente, um vinho regional algarvio, o Risca de Seda.

Há modernas estratégias de marketing com promoções: “Examine interiormente a rolha deste garrafão pois poderá encontrar meia libra em ouro.” E há a frase publicitária, que se repete frequentemente: “Sanguinhal, vinho sem rival”. Em 1928, a Abel Pereira da Fonseca edita um livro contando a história da empresa e mostrando a sua já vasta estrutura. Nas fotografias vêem-se os enormes armazéns com centenas de pipas de vinho e os empregados na secção de engarrafamento, pondo rolhas e transportando garrafas em carrinhos de madeira.

Regressamos à quinta de onde tínhamos partido, a das Cerejeiras, mas antes despedimo-nos da avó Mimi no seu jardim na Quinta do Sanguinhal, prometendo voltar para a inauguração da sua exposição de pintura. Diogo ainda nos quer mostrar, nas Cerejeiras, a casa do bisavô, também projecto do arquitecto Norte Júnior e, por trás, quase escondida no meio do jardim, a capela da Madre de Deus, do século XVI e com azulejos do século XVII.

Hoje a Companhia Agrícola do Sanguinhal está nas mãos dos netos e bisnetos de Abel Pereira da Fonseca. Muito mudou, porque os tempos são outros e a modernização é obrigatória, mas o essencial não mudou: nas três quintas do Bombarral continua a fazer-se vinho. Os carros de bois já não vêm descarregar as uvas ao pátio da Quinta do Sanguinhal, porque desde a década de 1970 que a família centralizou a produção na adega da Quinta de São Francisco, que tem capacidade para vinificar um milhão de litros.

Diogo confessa que sempre que entra nos escritórios da empresa na Quinta das Cerejeiras procura imaginar como seria há 100 anos. Não será preciso um esforço de imaginação demasiado grande para vermos Abel Pereira da Fonseca, impecável com o seu chapéu, fato completo e relógio de bolso, a chegar ao escritório vindo da ronda das três quintas e da visita matinal ao neto bebé, a debruçar-se sobre um gráfico de exportações (talvez aquele, do final dos anos 1940, que Diogo encontrou há uns tempos) para, satisfeito, pensar para si mesmo: “Isto não está a correr nada mal.”

 

Fernando Pessoa, “o Abel” e o Paraíso Terrestre

A dedicatória ficou famosa. Fernando Pessoa escreveu-a para Carlos Queirós, sobrinho de Ofélia, nas costas de uma fotografia que o mostra ao balcão de um dos estabelecimentos da Abel Pereira da Fonseca a beber um copo de vinho: “Carlos, isto sou eu no Abel, já próximo do Paraíso Terrestre, aliás perdido.”

Foi em homenagem a Pessoa e ao seu entusiasmo pelo “Abel” que a Companhia Agrícola do Sanguinhal criou o vinho Casabel, um dos que hoje compõem o seu portefólio, feito com o enólogo Miguel Móteo. Este divide-se pela produção das três quintas. Na do Sanguinhal, em cujos solos argilo-arenosos estão plantadas castas brancas e tintas, faz-se o Quinta do Sanguinhal DOC Óbidos, o Sôttal (mais leve) e os varietais Sanguinhal.

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