Fugas - Vinhos

  • Paulo Pimenta

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O adorável planeta dos enochatos

Blogosfera
Um enochato passa muito tempo a alimentar o seu blog ou a página de grupo dedicada aos vinhos. Tem muitos amigos, mas convive muito pouco com a família. Há já quem se refira à comunidade dos blogs e afins como a nova filoxera, a peste do século XXI. Não é caso para tanto. Na verdade, só lê quem quer. Os nomes são sugestivos: “Pingas no copo”, “Copo de 3”, “os Vinhos”, “Pingus Vinicus”. São aos magotes e geridos por enófilos militantes (também há um blog com este nome), homens e (menos) mulheres que parecem viver em garrafeiras e adegas, sempre a “postar” provas e fotos de vinhos. Todos têm o seu quê de enochatos, mas alguns até são fofinhos. Fora da rede, normalmente, andam em bando.

Crítica (profissional mas de pormenor)
A propósito de um Verdelho do Pico (licoroso) -  “Âmbar translúcido. Ostras, um nada metálico, notas de mar, alguma cremosidade, citrinos discretos, especiarias, boa delicadeza e complexidade. Cremoso na boca, muita complexidade, cheio de nuances tostadas, com caril, sementes de coentros, acidez viva, boa rugosidade herbácea, final longo, muito seco, cintilante, focado”.

Crítica (profissional mas de erudição)
A propósito de um Bairrada: “Um branco sóbrio e sereno, senhor de uma individualidade marcada e de um carácter afiado. A boca apresenta-se quase épica, larga de horizontes, desafogada e quase mastigável, gigante na dimensão…mas simultaneamente equilibrada e serena, sem fogos-de-artifício inconsequentes, sem acessórios desnecessários. É um branco sério e sem artifícios barrocos, rigoroso e de compasso tranquilo, puro e cristalino, capaz de envelhecer em garrafa durante mais de duas décadas”.  

Decanter
Na casa do enochato há sempre um decanter com curvas e contra-curvas. Passa tudo por lá: um Porto Tawny com 40 anos, um Bairrada de 1960 e um Monte Velho de 2016.

Facebook
Se pudéssemos comparar o enochatismo à lepra, o Facebook seria o seu sanatório. Os enochatos adoram socializar em rede. Em certos fóruns, fazem inveja às reuniões dos narcóticos anónimos. Dizem-nos onde comem, o que bebem, o que gostariam de beber. “Postam” comentários e fotografias, partilham tesourinhos bons e deprimentes, não têm segredos para ninguém. São um livro aberto.

Esperteza (saloia)
Jantar de grandes vinhos do mundo, incluindo alguns portugueses. A lista mete champanhes, brancos e tintos de altíssimo nível. A meio do jantar, um dos convidados, enólogo, claro (são quase sempre enólogos os que fazem estes “números”), saca de uma garrafa sem rótulo, de um vinho novo, e, furando o protocolo, começa a dar a provar, com ar de quem apresenta uma coisa diferente e excepcional. Os restantes convidados agitam-se e vão chegando os copos à frente. “Também quero!”, suplica alguém. Outros, já depois de provarem, perguntam: “O que é isto? De onde é?”. O enólogo faz-se importante, ri-se, convencido de que surpreendeu toda a gente. Cria suspense, adensa a curiosidade, até que, já com ar sério, revela que é um tinto de uma vinha velha, de uma aldeia dos altos do Douro, etc e tal.  Pois.....

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