Fugas - Vinhos

  • Paulo Pimenta

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O adorável planeta dos enochatos

Garrafas
Alguém coloca no Facebook uma foto de uma garrafa, acabada de abrir, de Frei João Branco 1966, das Caves São João, Bairrada. Sucedem-se os comentários. Um publica uma foto de outra garrafa das Caves São João, o Poço do Lobo Arinto 1995. Logo de seguida, outro amigo acrescenta uma foto do Poço do Lobo Branco 1991. O primeiro responde: “Também tenho”. “E estas de 92?”, pergunta o segundo. “E 79?”, contrapõe o primeiro. “Mas não há Poço do Lobo Arinto de 79!”, chama a atenção o segundo. “Pois não, é o Porta de Cavaleiros”, responde o primeiro. E a conversa continua por aí fora. Outro amigo entra na liça: “Este para mim continua a ser o melhor”, sentencia com uma foto do Porta dos Cavaleiros 1984. “Mas o Arinto de 95, que ainda tenho algumas garrafas, também está muto bom”, aduz o segundo. “Nada disso, os brancos desta casa dão 10 a zero aos tintos. Esquece lá isso”, proclama o primeiro. “Não coloquei nenhum tinto....”, esclarece o primeiro. Desfeito o engano, continua o desfile de outros amigos com garrafas ainda mais velhas, até que alguém interrompe: “Conseguem estragar um post todo só para mostrar quem tem a “zurrapa” mais velha em casa... Porque não abrem um post chamado ´vaidades` e debitam lá tudo?”. O segundo não gosta e responde-lhe de forma azeda, iniciando uma nova ronda de comentários, desta vez só de piropos mútuos. Pior do que um enochato são dois ou três enochatos juntos.

Humor
O enochato é uma pessoa de humores. Quando está com iniciados, fala muito e de cátedra; quando está com quem sabe, fica macambúzio e apático.

Idade
É um rosé, bastante bom, mas apenas um rosé, um vinho leve, fresco e directo. Pergunta o enochato: “Que idade tem a vinha?”.

Jogos
Por vezes, o enochato é mesmo cruel. Gosta de joguinhos, tipo provas às cegas, para obrigar os amigos a adivinhar o vinho, fazendo-os passar as maiores vergonhas. “Vejam lá se sabem o que é isto?”, desafiam com evidente prazer sádico. Se o convidado é um enólogo ou um produtor, é certo e sabido que um dos vinhos foi feito pelo próprio, para este se estatelar ao comprido. É a isto que se chama “ter mau vinho”

Matemática
Já aflorada na entrada “Garrafas”. Dois grandes vinhos em comparação. Diz o enochato, decantando-se por um deles: “Este vinho dá 20 a zero a esse”.

Naturalista
O enochato naturalista: “O seu vinho tem sulfitos? Usa leveduras industriais? Que tipo de vinificação faz? Faz só em inox ou também utiliza barrica? E as barricas são novas ou usadas? E a viticultura, é orgânica ou biodinâmica?”

Prova
No restaurante, o empregado serve um pouco de vinho à pessoa  que o escolheu, normalmente o enochato. Este pega no copo, olha bem para o vinho, roda o copo com vigor, leva-o ao nariz, volta a rodar o copo, volta a cheirar, volta a rodar, mete um pouco de vinho na boca, fá-lo passar pela língua, pelo céu-da-boca, faz um gargarejo, bebe um gole e diz: “Pode servir”.

Rolha
O vinho é servido, vários convidados provam, surgem os primeiros elogios e, de repente, há alguém que sentencia: “Tem rolha (cheiro ou gosto a rolha provocado por uma substância química chamada 2,4,6- Tricloroanisole, vulgarmente designada por TCA). Todos voltam a provar novamente o vinho, o dono da casa sente-se embaraçado, o silêncio instala-se e começam os cochichos: “Não noto nada…”. Ninguém nota, por mais voltas que dê ao copo. “Rolha é favor!”, insiste o “especialista”, impante e seguro de que todos estão errados.  O dono da casa nem discute e abre uma segunda garrafa. “Esta sim, está boa”, assegura, de peito cheio, o homem de nariz sensível. Ok, não se discute mais.

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