Fugas - Vinhos

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O novo Porto jovem e cosmopolita que se mostra nos cocktails

Por José Silva

Há 50 anos, a Sandeman tentou fazer do vinho do Porto branco uma base para cocktails e falhou. Era cedo de mais. Hoje, do já clássico Porto Tónico a combinações que usam gengibre, maracujá ou clara de ovo, o vinho do Porto abriu-se à mistura e ficou ainda mais cosmopolita.

Durante séculos, o vinho do Porto foi ruby (vermelho intenso) ou foi tawny (alourado), mas só há muito pouco tempo é que o branco entrou na moda. Em 1964, a Sandeman lançou no mercado um vinho do Porto branco com cerca de seis anos de envelhecimento, a que chamou simplesmente “Porto Branco” e, desde então, o grande vinho fortificado do vale do Douro abriu uma nova página. Porque esse Sandeman era um vinho doce que aparecia numa garrafa inovadora, transparente, que ganhou vários prémios de design; mas, principalmente, porque do gargalo da garrafa pendia uma pequena etiqueta onde se davam várias sugestões para apreciar este novo vinho do Porto. Entre elas estava a sugestão de servir o vinho num copo long-drink, juntando-lhe gelo, água tónica Schweppes e duas rodelas de limão!!

Recuemos no tempo, imaginemos como seria há meio século o mundo formal dos produtores e consumidores de vinho do Porto, pensemos por um momento nos rituais conservadores que estavam associados aos momentos em que era bebido. Assim, fica mais fácil antecipar a reacção que esta sugestão causou: escândalo, sacrilégio e muitos protestos. Alguma imprensa da época dizia mesmo que estas sugestões “eram capazes de provocar uma apoplexia aos consumidores de vinho do Porto”. A Sandeman tinha razão. Mas teve razão antes do tempo.

Estas sugestões caíram rapidamente no esquecimento, mas a empresa não desistiu e em 1990 lançou o “Sandeman Splash”, nada mais nada menos que a receita que lançara 25 anos antes: Porto branco, gelo, água tónica Schweppes e limão. Mas desta vez apoiou o lançamento da bebida com uma forte campanha publicitária, presente em todas as esplanadas em que o “Sandeman Splash” fosse servido no Verão desse ano. Estava lançada a base daquele que viria a ser o “Porto Tonic”, agora tão popular, sempre com a mesma receita - ainda que hoje o “Porto Tonic” da Sandeman seja servido em copos mais modernos que foram criados para o efeito.

Após o sucesso do “Sandeman Splash”, o Porto branco entrou no radar. As Portas dos brancos com idade foram abertas e o vinho do Porto ficou mais perto de consumidores mais jovens e mais susceptível de ser apreciado no ambiente descontraído das esplanadas, em bares ou em discotecas. Hoje em dia, até nas caves de vinho do Porto, onde se respira a mais pura das tradições, qualquer prova começa obrigatoriamente por Porto branco, normalmente seco. Ou por um Porto tónico.

Quebrado o tabu, garantida a dessacralização dos Porto branco, vários barmen começaram há alguns anos a criar os primeiros cocktails com vinho do Porto, indo mais além o espírito irreverente do “Porto Tonic”. Muitos responsáveis de bar e escanções deram largas à sua imaginação, criando cocktails refrescantes, saborosos, mais doces ou mais secos e alguns mesmo arrojados, que vão sendo cada vez mais apreciados. O próprio Instituto do Vinho do Douro e Porto (IVDP), o organismo que controla e certifica a produção do vinho do Porto, tem dado cobertura a estas bebidas inovadoras, sendo mesmo responsável por balcões onde se servem exclusivamente cocktails à base de vinho do Porto, em feiras e festivais um pouco por todo o país.

E se hoje aparecem alguns destes cocktails com outros tipos de vinho do Porto, é claramente o vinho do Porto branco o mais utilizado, sobretudo os Dry White, Porto branco seco. Para lá dos seus aromas e da estrutura e intensidade que lhes permite aguentar a mistura de água tónica (ou outra bebida, ou outros ingredientes) sem perder as suas características, uma outra vantagem deste vinho é a possibilidade de dar origem a cocktails com índices de álcool menos elevados do que os das bebidas destiladas - o Porto só tem entre 18% e 21% de teor alcoólico, enquanto o Gin ou o Vodka superam os 40%, para lá de ser um produto natural.

O seu sucesso tem sido tão grande que já há muitos bares a preparar sangrias apenas com vinho do Porto, um tipo de cocktail gigante para grupos de clientes mais numerosos. Mesmo em muitos restaurantes há já o hábito de propor aos clientes um cocktail de vinho do Porto como aperitivo, mantendo-se no entanto também a hipótese dum cálice de Porto branco seco, servido bem fresco, que fica muito bem a acompanhar uma entrada, ou uns petiscos que antecedem a refeição.

Com todo este potencial, não há limites para a imaginação. Cada bar, cada pessoa pode inventar as suas próprias maneiras de servir vinho do Porto – por exemplo, no Adega Mariazinha, um restaurante clássico do Porto, servia-se há mais de 20 anos o Tripeirinha, que não era mais do que uma que uma caipirinha feita com vinho do Porto branco. Para que o leitor se possa inspirar, convidámos alguns dos barmen a sugerir as suas próprias interpretações de cocktails nos quais o Porto Branco é o principal solista. 

O Perfect Portonic de Pedro Ferreira
Pedro Ferreira formou-se na Escola de Hotelaria de Coimbra e dedicou-se à área dos vinhos. É actualmente escanção do restaurante Pedro Lemos, no Porto, com uma estrela do guia Michelin. Habituado a preparar diferentes tipos de bebidas, deu-nos a conhecer este seu Perfect Portonic. Para começar, o copo (alto) deve estar bem gelado. A preparação começa com a aromatização do copo com zeste de laranja; medir 4,5 cl de Niepoort Dry White e colocar três gotas de bitter de laranja; depois, acrescenta-se o gelo e adiciona-se 12.5 cl de água tónica (Pedro Ferreira sugere Schweppes); como decoração, colocar um gomo de laranja. Um Porto Tónico moderno, elegante, fresco e enigmático.

O Rosemary e o Passion de Paulo Ramos
Paulo Ramos é um conhecido barman de Lisboa, responsável pela Cocktail Academy. É colaborador da casa Porto Cruz, uma das maiores empresas do sector do vinho do Porto, onde assina uma carta de cocktails com vinho do Porto, de onde retirou dois deles que nos apresenta. O Rosemary, que leva 6 cl de Porto Dalva Dry White, três fatias de gengibre fresco, um ramo de rosmaninho, gelo e água tónica. O gengibre e o rosmaninho são levemente macerados, para libertar sabor. Depois, acrescentam-se algumas pedras de gelo e alonga-se com água tónica. Muito fresco, com o Dalva a ligar muito bem com o rosmaninho e com o gengibre a dar-lhe um toque de acidez. O Passion, leva 6 cl de Porto Cruz Blanc, 6 cl de polpa de maracujá, algumas pedras de gelo, e pedaços de maracujá fresco. Decora-se com folhas de manjericão. A acidez do maracujá liga muito bem com o Porto branco, conferindo-lhe frescura e notas tropicais.

O Fizzy Port de João Chambel
João Chambel trabalhou no restaurante Vestigius antes de abraçar o projecto Estado d´Alma, também em Lisboa, onde é escanção e um apaixonado pelo mundo dos vinhos. Aceitou o nosso desafio e criou este Fizzy Port. A sua preparação começa com a junção num shaker de 5 cl de Royal Oporto Extra Dry, da Real Companhia Velha, 2.5 cl de sumo de limão e uma clara de ovo. Depois, deve-se agitar até ficar tudo bem “ligado”. Abrir o shaker e adicionar gelo. Esta preparação deve ser servida num copo de vinho, deixando espaço para se acrescentar espumante meio seco a gosto. Como decoração, João Chambel sugere duas folhas de hortelã e raspa de limão. Um cocktail elegante, fresco e muito atraente - apetece sempre beber o segundo.

O Oficina Porto Sour de Inês Soares
Inês Soares é uma jovem formada em mesa e bar, perfeccionista e apaixonada por este trabalho, que adora preparar cocktails. Trabalha actualmente no restaurante Oficina, no Porto, e criou este cocktail a que chamou Oficina Porto Sour. Os ingredientes necessários para esta bebida: 6 cl de Porto Branco Churchill´s Dry, 3.5 cl de sumo de laranja, 2.5 cl de sumo de limão, 1.5 cl de xarope de açúcar e uma clara de ovo. O copo onde vai ser servido deve ser previamente gelado. Colocam-se todos os ingredientes num shaker, e faz-se um breve dry shake; adiciona-se gelo e bate-se; prepara-se a bordadura do copo com açúcar em pó anti-humidade e canela em pó e serve-se. Como decoração complementar, junta-se meia rodela de limão-taiti, laranja desidratada, pau de canela e um raminho de hortelã e obtém-se um cocktail muito tentador.  

O Porto Tónico clássico de Cláudio Lemos
Terminamos com o clássico Porto Tonic, aqui preparado pelo Claudio Lemos, do espaço Sandeman Chiado, em Lisboa. Enche-se um copo alto com gelo; adiciona-se 4.5 cl de Sandeman White; acaba-se de encher o copo com água tónica e adicionam-se duas rodelas de limão. É sem dúvida a preparação de Porto branco mais simples, mas nem por isso a menos refrescante. E é também a fórmula a que já acusa o peso de uma tradição...

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