"Os meus bolinhos estão a sair do forno". São 9h40. Primeiro aviso: ir ao Negra Café com o pequeno-almoço tomado é como ir à praia e levar areia nos bolsos. Vá em jejum, seja guloso, coloque em sentido os sentidos. "Comece bem o dia", apregoa Nair, a boleira de serviço. "Não desfazendo...". O balcão começa saber a doce, começa a encher-se de bolos caseiros, de chocolate mal cozido, de courgette, de abacate e pistachio. Não desfazendo, e apesar de se apresentar com um conceito "muito simples: "isto é um café", o Negra não revela os segredos todos ao mesmo tempo.
Pim-pam-pum. Chocolate — e seja o que a Negra quiser. Pim-pam-pum. Ficamos na sala da entrada, com as cadeiras industriais, as mesas mais ou menos comunitárias com pés de máquinas de costura e a funcional jukebox Rowe, da norte-americana AMI (antiga Automated Musical Instrument Company), que já esteve numa "casa de meninas na Batalha" e que ganhou um lugar de destaque para exibir a sua playlist romântica ("A Anita não é bonita", de José Cid, "Chiclete", dos Taxi, "Anel de noivado", do Trio Odemira, "Canção do Beijinho", de Herman José, "Estou amando um homem", de Nelson Ned, "Nosso amor virou lixo", de Carlos Alexandre, ou "Faz de conta", de José Augusto). "Gostamos de perder tempo em armazéns, só a ver, passamos tardes a visitar armazéns. Há quem não nos compreenda, pensam que somos maluquinhos, mas é mesmo paixão: dar voltas, passear, ver peças, controlar o impulso para não comprar, perguntar 'porquê?' e 'para quê?'. O meu marido é pior que eu. Ele gosta mesmo de tralha", explica à Fugas Bianca Martins, esposa de José Wilson, empresário da noite do Porto que já tem "consolidado" um espaço na noite do Porto, o W Black, na Rua Cândido dos Reis.
Ela "sempre quis" um espaço de dia. "Com um miúdo começamos a pensar de uma forma diferente". "Indecisos" quanto à zona da cidade, deixaram-se convencer pelo edifício DKW projectado pelos arquitectos Arménio Losa e Cassiano Barbosa, em 1953. "É meio caminho andado", comenta, orgulhosa, Bianca, que ficou com o espaço em Janeiro deste ano. "É diferente. Foi isso que nos apaixonou. A partir daí bastou pensar o interior com calma e carinho". O interior é feito de três zonas e as três zonas divididas por umas elegantes escadas em caracol e o seu corrimão anos 50. Virada para a Rua Guedes de Azevedo, virada para a Capela de Nossa Senhora da Boa Hora de Fradelos e muito perto do Silo Auto, está a sala da tralha. Para as traseiras, para um envidraçado com assinatura dos arquitectos ficam duas zonas independentes (sofás, livros de arquitectura e de moda e uma porta de fole), mais um terraço considerável e uma sala preparada para receber e entreter crianças. "Era uma loja de roupa", conta Bianca Martins. O casal conservou as "quatro paredes" e a escadaria, um ponto de referência a nível arquitectónico, aplicou a madeira com parcimónia e decorou o espaço consoante os seus vícios.
Não desfazendo... "não há aqui nada de transcendente", aponta a proprietária. "Isto é um café", repete. "É para ser usado no dia-a-dia. É um café que evoluiu". Com bolos caseiros cortados à fatia (2,90 euros), com taças de coisas boas (experimentamos a Pitaya/Dragon fruit: pitaya, morangos, banana e leite de coco com topping de pólen de abelha, lascas de coco, sementes de chia, banana e pitaya; 6,50 euros), saladas (onde o cliente escolhe até oito ingredientes por 7,50 euros) e tostas (espargos e cogumelos, frango e abacate, salmão ou camarão e manga). "Aqui à volta não havia nada disto. Facilmente encontramos os pratinhos do dia e os pratos mais pesados. Ainda há espaço no Porto para uma cozinha mais leve".