A notícia foi uma surpresa para todos: o chef japonês Tomoaki Kanazawa, conhecido por clientes e amigos como Tomo, ia regressar ao Japão e deixar Portugal e o Kanazawa, o seu restaurante kaiseki de apenas oito lugares, em Algés. As razões não foram tornadas públicas, mas o blogue Mesa Marcada anunciava já quem iria ficar atrás do pequeno balcão: o sushiman português Paulo Morais.
Poucas semanas depois estávamos sentados do outro lado desse balcão, em frente a Paulo Morais, para tentar perceber o que muda (ou não) no Kanazawa. “Continuamos a ser um restaurante kaiseki [o estilo de menu de degustação japonês que equivale à alta cozinha ocidental], a trabalhar os produtos de acordo com a estação, a respeitar ao máximo a sazonalidade e a maneira de servir muito típica do Japão”, diz Paulo Morais. “O que o chef Tomo fez em Portugal foi um grande passo para mostrar mais da cultura japonesa.”
O chef português (que é agora sócio gerente do espaço, ao qual Tomo voltará pontualmente) herdou alguns dos principais fornecedores de Tomo, como a Quinta do Poial, em Azeitão, para os legumes, e o Lugar do Olhar Feliz, no Alentejo, para os mais exóticos citrinos que se possa imaginar. E descobriu no frigorífico algumas preciosidades, como um vinagre de diospiros que Tomo andava a fazer.
Mas se muita coisa é semelhante, há também diferenças. “O menu kaiseki tem que ter a marca do chef”, explica. “Sobretudo no hassum [um dos pratos] que tem que representar várias coisas e permitir que o cliente chegue ao final e perceba quem é o Paulo Morais, quais as suas vivências. É um prato que tem que reflectir um pouco a minha personalidade.”
O mais difícil de um menu kaiseki é o chegar à simplicidade – até porque por trás desta se esconde uma grande complexidade de técnicas. “Quando eu estava no Japão, provava o nimono, que é simplesmente um prato de legumes cozidos. Nunca percebi muito bem como se atingia aquela complexidade de sabor. Os legumes são cozidos em água só com uma pitada de sal, rapidamente arrefecidos e colocados num caldo dashi que enaltece o sabor natural de cada um. Para atingir uma coisa tão simples, temos que trabalhá-la.”
Algo importante no Kanazawa, que Tomo já fazia mas Paulo Morais faz ainda mais, é ajudar os clientes a perceber o que estão a comer, de onde vem, porque é que é servido assim. Isso começa logo no primeiro prato, o sakizuki, que na semana em que estivemos no restaurante, era um tofu de nozes com molho de maçã.
“As pessoas estão habituadas ao tofu feito com leite de soja, mas no Japão há muitos tipos”, explica Paulo Morais. “Neste, as nozes e o sésamo são ralados, cozinham num dashi, o caldo base da cozinha japonesa, e o resultado é temperado com soja e mirin. Adiciona-se depois um agente coagulante que é uma fécula de araruta muito usada na macrobiótica e que agrega tudo.”
Claro que as explicações são dadas apenas a quem tiver curiosidade. Se o chef percebe que um cliente não quer tanta informação, não força. “Estamos a fazer a constante leitura do cliente para corrigirmos logo alguma coisa. Toda a gente tem que sair daqui satisfeitíssima.”