Há uns tempos, num concurso internacional, uma sommelier espanhola resumiu a velha questão desta forma simples, passando as mãos pelos braços: “É um vinho que me deixa os pêlos eriçados”. Emoção, portanto. Um grande vinho é um vinho que nos emociona.
Confesso que esta é, de todas as possíveis respostas, a que mais me agrada. Pode ser redutora e demasiado simplista? Sim, pode. É possível emocionarmo-nos com algo que, analisado friamente, não tem grande valor. Quem nunca chorou a ver filmes de segunda linha? Ainda assim, é a melhor resposta que encontro.
Há outra, mais académica e pacífica, segundo a qual um “grande vinho” é um vinho que consegue ter uma longa vida, que se vai transformando com o tempo, que é capaz de nos impressionar tanto em novo como em velho (embora de maneira diferente), que é tudo menos unidimensional e, já agora, que tem história e prestígio. Só que voltamos sempre ao mesmo: o que é bom para uns pode não ter nenhuma graça para outros. Há pessoas que preferem um vinho novo a um vinho velho, há outras que gostam de vinhos encorpados e maduros e há quem valorize, sobretudo, a elegância e a finesse. Além de que a circunstância também conta. Um “grande vinho” bebido no ambiente pouco glamouroso de uma sala de provas, por exemplo, pode não nos saber tão bem como um vinho com menos estatuto que bebemos no lugar especial com a companhia certa. O vinho, como outras bebidas e comidas, perecíveis por natureza, é o momento.
Em Fevereiro de 2012, fui jantar com uns amigos ao El Celler de Can Roca, o mundialmente aclamado restaurante dos irmãos Roca, em Girona. Serviram-nos 24 pratos (leu bem, 24), alguns geniais, e vários vinhos, todos bons. Já perto do final, pedi a Josep, o irmão que trata da garrafeira, que nos surpreendesse com um vinho, algo pouco ou nada conhecido, de preferência da região. Josep serviu-nos um vinho de que nunca ouvira falar, o Nun Vinya dels Taus (de 2008 ou 2009, já não recordo bem), um branco estreme de Xarel-lo, a grande casta de Penedés, na Catalunha. Bebi um copo e quase chorei. O vinho era extraordinário, com uma pureza e uma frescura emocionantes. Produção de garagem de Enric Soler, um dos grandes sommeliers de Espanha, o vinho tem origem numa pequena vinha (Vinya dels Taus, em português “Vinha das Toupeiras”) plantada em 1940, no ano logo a seguir ao final de Guerra Civil de Espanha, e tratada de forma biodinâmica. Consegui trazer duas garrafas (o vinho custa cerca de 30 euros), que bebi depois em casa, mas nenhuma me soube tão bem como a que bebi naquela noite no El Celler de Can Roca.
Outro exemplo. Na lista dos vinhos da minha vida, há alguns Madeira com lugar cativo. O vinho mais velho que já bebi é, de resto, um fortificado daquela ilha, um Terrantez de 1795, deferência de Ricardo Diogo, da casa Barbeito, que um dia me deu a provar outros vinhos memoráveis na sua adega. Provei mais uns quantos extraordinários da Madeira Wine Company, dos irmãos Barros e Sousa e de um ou outro particular. No entanto, o que recordo sempre em primeiro lugar foi o vinho que bebi em São Tomé e Príncipe, nos alvores da década passada. Julgo que era um Malvasia da Blandy’s, com 30 ou 40 anos, não mais.