Fugas - Vinhos

Nuno Ferreira Santos

E se, em vez de pedirem vinho aos produtores, os chefs cozinhassem de graça para eles?

Por Pedro Garcias (crónica)

O Portugal vinícola ainda é dominado por pequenos produtores, que dispensavam ter que bater à porta de um restaurante e ouvir isto: “Podemos ficar com o vinho à consignação.”

O Portugal vinícola ainda é dominado por pequenos produtores. Gente que vive dependente dos humores climatéricos e anda o ano todo a consultar a meteorologia para ver se chove, se cai geada ou faz muito calor; que, antes de vender um litro de vinho, tem que investir em barricas, rolhas, rótulos, caixas, garrafas (sem contar com o investimento inicial em instalações e equipamento); que, já se viu, não vende apenas vinho, vende também vidro, cortiça, cartão e papel; que passa a vida em feiras a dar de provar e também a dar de beber a muita gente; que, enfim, ou começou muito rico ou então vive em sufoco permanente, sem fluxo de caixa e músculo financeiro para lutar contra a política do preço baixo das grandes superfícies e o poderio económico das grandes empresas do sector. Ora, perante tudo isto, os pequenos produtores dispensavam ter que bater à porta de um restaurante com pretensões e ouvir: “Podemos ficar com o vinho à consignação”. Ou seja, ir pagando à medida que for vendendo. Ou escutar um chef estrelado pelo famigerado “guia pneumático”, como chamava o crítico gastronómico José Quitério ao Guia Michelin, propor: “O seu vinho é bom, mas, para começarmos, tem que oferecer umas caixas.” E é um favor: com o nome do chef, o produtor ganha notoriedade, blá, blá, blá.

Tiro o chapéu aos produtores que, a propostas destas, respondem: “Vamos fazer ao contrário: um dia destes, o chef vai cozinhar a minha casa, gratuitamente, claro, e eu depois, se gostar do resultado, começo a falar bem de si a toda a gente.” Ou àqueles que simplesmente se recusam a vender uma garrafa. Antes pobre e direito do que rico e curvo.

A comida não vive sem o vinho, nem o vinho sem comida. Por que motivo o vinho tem que ser o parente pobre desta relação? Veja-se este clássico: um restaurante quer fazer um jantar vínico, para animar a casa, normalmente em época baixa, e convida um produtor. O produtor oferece o vinho, em troca de um lugar à mesa, e, no final, o restaurante cobra 40 ou 50 euros a cada cliente. Pode-se sempre argumentar: é um investimento, é o custo de uma boa promoção. Pode ser. Mas tem que ser sempre assim? Por que razão o restaurante não oferece a comida ao cliente, já que o vinho também foi oferecido? 

Dignidade. Oferecer comida dá um ar de cantina dos pobres, não fica bem. Dar vinho é outra coisa, tem até algo de glamouroso. É chique. Estão a ver uma grande casa de Champanhe ou de vinho do Porto cobrar dinheiro pelas garrafas que servirem num jantar vínico com a assinatura de um chef renomado?

Deve ser por isso que a maioria dos restaurantes em Portugal continua a cobrar preços elevadíssimos por uma garrafa de vinho. Em regra, em qualquer menu, o vinho é sempre o elemento mais caro, mesmo que tenha sido o mais regateado e o que menos custou. Os turistas não se queixam e até acham os vinhos baratos, face à qualidade que têm. E é verdade. O problema está no preço de partida. A proliferação de marcas de vinho é tal, a concorrência é tanta, que a maioria dos pequenos produtores se vê obrigada a praticar preços baixos. Muitos andam a trocar líquido por liquidez. Sobrevivem. Como acontece com os pescadores, por exemplo, fazem o mais importante, arriscam, mas o grosso do lucro fica na cadeia intermédia.

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