Fugas - Vinhos

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“Se vamos aos EUA ou ao Japão e levamos vinhos iguais aos outros, ninguém os quer”

Por Pedro Garcias

Os vinhos estilo Parker já passaram de moda. Hoje, o consumidor procura vinhos diferentes, com identidade, mas mais bebíveis, com menos álcool, menos estrutura e menos madeira, assegura Raul Pérez, um dos mais talentosos, prolixos e desconcertantes enólogos da actualidade.

Raul Pérez, 44 anos, é um dos mais pontuados e inspiradores enólogos de Espanha. Juntamente com Álvaro Palácios, está na origem do renascimento dos vinhos do Bierzo, pequena região situada no noroste da província de Léon, mesmo na fronteira com a Galiza, e hoje uma das mais vibrantes da Pensínsula Ibérica. É lá, na aldeia de Valtuille, que produz os vinhos da família e alguns em nome próprio. Entre consultorias e projectos pessoais, faz vinhos no Chile, África do Sul, França, Argentina e em diversas regiões de Espanha e Portugal (Douro, Bairrada e Trás-os-Montes).

Tímido e algo excêntrico, anda sempre um passo à frente, mesmo quando faz vinhos à antiga e pouco académicos. A sua última aposta é a produção de vinhos tintos com véu de flor (uma contaminação por leveduras que cria um véu na superfície do vinho), à moda dos brancos do Jura e dos Xerez. Nesta entrevista, explica o que o leva a fazer uma vinificação de risco e a olhar com entusiasmo para Trás-os-Montes. “É uma região que está por descobrir. Tudo o que se fizer lá vai ter repercussão”, diz. 

Começamos por um tema actual: leveduras. Faz fermentações espontâneas ou recorre a leveduras seleccionadas? 
Cada projecto procura algo. Um projecto tecnológico, com muitas garrafas, com muito rendimento, tem que procurar uma regularidade e isso é uma guerra. Nós, os pequenos, o que procuramos é extrair o máximo possível do nosso espaço, da nossa parcela. As leveduras são diferentes nas diferentes parcelas e também nos diferentes anos. Se usarmos leveduras seleccionadas, estamos a meter leveduras que não são da nossa parcela. Tecnicamente, se pensarmos em regularidade de fermentação e rendimento, uma levedura seleccionada talvez seja melhor. Mas, se quisermos ter a nossa identidade e diferenciarmo-nos dos outros, o mais importante é usarmos as nossas próprias leveduras, que estão na nossa terra por alguma razão. 

Mas há sempre um risco…
Qual é o risco? A fermentação ser mais longa ou que não haja tanta expressão de fruta? Sim, mas há mais de terroir no vinho, de vinha própria. Uma levedura que esteja na vinha não tem problemas para fermentar. Pode durar mais, pode produzir menos álcool, mas vai sempre fermentar. Quando ocorre uma paragem de fermentação, normalmente não é pela levedura, é por outras razões. 

Falou em terroir, mas defende que não faz sentido falar em terroir...
O terroir tem um sentido. O que eu digo é que o terroir não é só de uns poucos. Não é só Bordéus ou a Borgonha que têm terroir. Todas as zonas do mundo, cada metro quadrado de terreno, tem um terroir, porque a base de um terroir é o clima, o solo e a posição geográfica das vinhas, e todas as vinhas têm isso. Terroir é uma palavra que soa bem, mas que está a ser usada de uma forma um pouco contaminante. Quando se diz que um vinho é de terroir é como se fosse melhor e não tem que o ser. 

Coisa diferente é o perfil de uma região. É importante ter um perfil facilmente reconhecível?
Eu penso que sim. É um luxo ter um perfil perfeitamente definido. Por isso, a gente admira os Borgonha, os Bordéus, os Rioja clássicos, os Barolo, porque eles têm uma expressão nítida. A técnica permite-nos fazer vinho em qualquer lugar. Hoje, todos estamos globalizados, mas ter um perfil, um carácter bem definido, é difícil. O Douro, por exemplo, tem isso. 

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