Fugas - Vinhos

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“Se vamos aos EUA ou ao Japão e levamos vinhos iguais aos outros, ninguém os quer”

Como se chega lá?
Com muitos anos de trabalho e ideias claras na cabeça. Quando se abrem Bordéus dos anos 1980 ou 90, têm todos esse toque de concentração; quando se abre um Borgonha mais novo, é a fruta que sobressai. Os viticultores dessas regiões entenderam que os seus vinhos devem ser assim. No Bierzo, a minha zona, há um perfil na cabeça das pessoas mais velhas, do tempo em que os vinhos se faziam realmente para beber. O que se passa é que nós modificamos esse perfil. Dos anos 90 até 2006, os vinhos do Bierzo eram muito técnicos, de muita escola, com muita influência de vinhos de outras zonas. Os vinhos dos últimos cinco anos são mais subtis, mais vinhos de beber, mais próximos do que eram antigamente. Antes, toda a gente só queria Mencia [a Jaen do Dão]; hoje, colhem-se todas as variedades de tinto e de branco, como antigamente. Com o tempo, estamos a recuperar a nossa identidade, que é o que nos diferencia do resto. É o grande rótulo. Se vamos aos Estados Unidos ou ao Japão e levamos vinhos iguais os outros, com madeira, com concentração, ninguém os quer. Os sommelliers cada vez sabem mais e querem ter nas cartas coisas diferentes.

Para alcançar esse perfil, é importante o método de vinificação?
É importante a curto prazo.  A curto prazo, o método vai influir nos vinhos. Mas, ao fim de 10 ou 15 anos, o método de trabalho já não vai estar tão presente. É como uma maquilhagem. Em função do que se lhe colocar, uma pessoa branca pode ficar negra. Mas, quando a maquilhagem desaparecer, volta a ser branca. Passa-se o mesmo nos vinhos. Se bebermos agora vinhos do Bierzo de Álvaro Palácios ou de Telmo Rodriguez dos anos 90, quando cada um fazia coisas diferentes, nenhum é igual, mas há semelhanças. Se fizermos o mesmo exercício com vinhos actuais, verificamos que já são todos mais similares à nascença. Deixou-se de maquilhar os vinhos e estamos a encontrar um estilo. 

É conhecido por fazer vinificações de risco que contrariam o que se ensina nas escolas de enologia, como é o caso dos tintos com véu de flor [contaminação por leveduras que cria um véu na superfície do vinho, protegendo-o da oxidação e das bactérias acéticas, precursoras do vinagre]. Como surgiu essa ideia?
Eu conhecia os vinhos brancos de flor do Jura e de Xerez e interrogava-me: por que razão a flor é boa nos brancos e nos tintos não é? Há cerca de 10 anos, no mundo do vinho, começou a falar-se outra vez dos brancos do Jura e na recuperação de um sistema de trabalho antigo. Na nossa adega tínhamos um destilador e alguns vinhos que ficavam longo tempo em depósitos por atestar ganhavam flor e eram bebíveis e muito particulares. Já tínhamos essa referência. Não sei se em Portugal já se fazem muitos vinhos tintos com flor, mas de certeza que nos próximos anos vai haver muito gente a fazer. Em Espanha já somos uns quantos.

É uma moda?
Não. A mim, os vinhos com véu de flor interessam-me como sistema de trabalho, porque me permitem fazer uma vinificação muito redutiva [com pouco oxigénio].

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