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O amor de Pedro e Inês ainda rende

Por Ana Cristina Pereira ,

A Quinta das Lágrimas está a ser remodelada. O palácio recuperou a cor original e os quartos tornaram-se mais sóbrios. A mais trágica história de amor portuguesa é evocada em vários momentos.

Árvores sem idade. Paira um amor maior do século XIV. Uma família de fidalgos mandou construir um palácio no século XVIII. Um grande incêndio quase devorou tudo. A casa senhorial foi reconstruida no século XIX e reconvertida em hotel no século XX. Já neste século, ganhou uma extensão. Tantos tempos se combinam na Quinta das Lágrimas, na margem esquerda do Mondego, em Coimbra!

O portão abre-se para uma alameda. É só percorrê-la, sob um tecto de arvoredo, até ao pequeno palácio, que voltou a ter as paredes a branco. Sobre a porta principal, o brasão da família Osório Cabral e Castro. A recepção fica logo em frente. Há que orientar quem chega para a esquerda ou para a direita.

Do lado esquerdo do solar, os quartos. Já não são todos diferentes, como antes da remodelação em curso. Apesar das formas distintas, seguem agora a mesma linha decorativa. Desapareceram os floreados coloridos das paredes. Venceram os tons neutros, que criam uma ilusão de mais espaço. “Tem de haver alguma coerência”, diz o director, Pedro Catapirra. “Havia comentários muito diferentes, tanto para o bem como para o mal.” 

Nem só a decoração interfere na escolha dos hóspedes. “Há quem goste de ficar no palácio, porque é antigo, e quem não goste, porque o chão é de madeira, range, ouve-se quem está ao lado”, aponta. Para esses, há a parte nova, com quartos virados para os jardins e quartos virados para a mata ou para a cidade. O arquitecto Gonçalo Byrne, grande Prémio da Academia de Belas-Artes de Paris, desenhou essa ala há uma dúzia de anos.

Do lado direito do solar, a área social. A biblioteca, forrada de livros antigos, convida ao recato da leitura. O pequeno bar, com acesso livre à garrafeira, não é só para hóspedes, abre-se à cidade. “Há gente de Coimbra que vem aqui receber gente importante”, comenta ainda Pedro Catapirra. Os restaurantes também. 

O restaurante Pedro & Inês oferece um ambiente mais informal e um cardápio de opções mais ligeiras. Já o restaurante Arcadas responde ao requinte da alta cozinha do chef Vítor Dias, que dá preferência aos produtos da região e se gaba de se servir das ervas aromáticas dos jardins e das frutas do pomar da quinta. 

Se o tempo deixar, os comensais podem comer lá fora, na esplanada, de olho nos lendários jardins. E degustar uma terrina de foie-gras com abacaxi em aroma de tomilho gelado; creme de espinafres e folhado de ricotta; tártaro de vitela e codorniz caramelizada com molho de mostarda antiga; salmonete fumado, cremoso de ervilhas e pérolas coloridas; granizado de gin; tronco de pato, frutos silvestres e gnocchi de laranja; pétalas de abacaxi e pimenta rosa, aromas de coco e pão-de-ló; café; petit fours.

A carta de vinhos reúne centenas de referências nacionais e internacionais. Revela uma fortíssima aposta nas duas regiões vinícolas mais próximas, o Dão e a Bairrada. 

O enólogo José Carlos Lucas criou um tinto Pedro & Inês. “Fomos buscar o Alfrocheiro ao Dão e a Baga à Bairrada”, conta Caroline Zagal, subchefe de mesa. “O Alfrocheiro perfumado, frutado, falamos de Inês. E o Baga robusto, majestoso, falamos de Pedro. Juntando as duas castas, fez-se a história de amor em vinho.” Diz algo parecido sobre o branco, que alia um Encruzado, nobre, Pedro, a um Bical, elegante, Inês. 

“Esta história de amor é tratada em todas as áreas das artes e em todo o mundo”, garante Cláudia Duval, a quem cabe guiar as visitas ao jardim romântico que Miguel Osório Cabral e Castro mandou fazer no século XIX, uma espécie de museu com árvores oriundas de diversas partes do mundo, como figueiras da Austrália, canforeiras, plátanos, sequóias, palmeiras. “Recebemos imensos pedidos de informação.”

Há meia dúzia de anos, os jardins foram recuperados pela arquitecta paisagista Cristina Castel-Branco. Recriou um jardim medieval, plantou cortinas de vegetação, recompôs os muros da mata, os canais da Fonte das Lágrimas e da Fonte dos Amores, idealizou o Anfiteatro Colina de Camões, que acolhe o Festival das Artes. As entradas são fonte de receita da Fundação Inês de Castro.

A Fonte dos Amores já se chamava Fonte dos Amores antes de Pedro e de Inês ali estarem, explica Cláudia Duval. “Por esse país fora, há fontes dos amores.” Não lhe custa imaginar que um lugar assim, sossegado, fresco, agradasse aos enamorados. A água corre de uma porta e, ainda agora, é aproveitada para rega. 

Costuma adaptar a história à audiência. Se à sua frente estiver um grupo de mulheres, como é o caso, a história pode sair-lhe assim: “Dona Isabel teve um neto, filho de Afonso IV e de Dona Beatriz, que era lindo de morrer. Aconteceu uma coisa maravilhosa a este neto, que era o Dom Pedro: cresceu e continuou giro, coisa que nem sempre acontece! Chegou a altura de se casar e calhou-lhe em sorte uma rapariga chamada Constança, que estava pendurada. Ela veio por aí abaixo. Trouxe aias, pajens, parentes e bagagens e nesse embrulho todo vinha uma fidalga chamada Inês de Castro. E se o Dom Pedro era giro, aquela rapariga punha toda a gente a olhar para ela. Ela era muito diferente do resto da cambada. Numa corte cheia de pessoas com pele escura, cabelo escuro, olhos escuros, ela era uma garça, branca, loura, olhos claros. Dom Pedro apaixonou-se por Dona Inês. Dona Inês apaixonou-se por Dom Pedro.”

O príncipe, como se sabe, não deixou de se casar com a nobre castelhana, mas também não deixou de ter sentimentos pela fidalga galega. Furioso com o que para ali ia, o rei mandou exilar Inês na fronteira. Só quando Constança morreu, tomada pelo desgosto, puderam viver o seu amor. Terão partilhado diversas moradas, incluindo o paço mandado construir pela Rainha Santa Isabel, anexo ao convento de Santa Clara-a-Velha, e gostariam de namorar naquela mata, naqueles jardins, naquela fonte.

“Aqui é o local da tragédia”, diz a guia, na Fonte das Lágrimas. Não é verdade que a mataram aqui; mataram-na no Convento de Santa Clara-a-Velha, por ordem do rei. “Foi Camões que, uns séculos mais tarde, colocou a cena da morte de Dona Inês neste local. Toda a gente sabia que este sítio era um dos favoritos deles. Estão a ver estas rochas com esta cor vermelha? Toda a gente sabia que a morte dela fora regada a sangue. E, se olharmos para a fonte, vemos que faz o desenho de uma cruz.”

Convida a ler a estrofe 135 do canto III d’ Os Lusíadas: ““As filhas do Mondego a morte escura/ Longo tempo chorando memoraram,/ E, por memória eterna, em fonte pura/ As lágrimas choradas transformaram;/ O nome lhe puseram, que inda dura,/ Dos amores de Inês que ali passaram./ Vede que fresca fonte rega as flores,/ Que lágrimas são a água, e o nome amores.” Não é uma fonte de pedra. É água que brota da rocha. “Podemos ver por que foi esta fonte baptizada Fonte das Lágrimas. Este local depois começou a ser chamado Quinta das Lágrimas. Foi Camões que deu a conhecer ao mundo este local.”

É difícil saber o que é verdade e o que é invenção numa história que se tornou lenda. O certo é que, na Quinta das Lágrimas, a história de Pedro e Inês pode espreitar em qualquer lado. Até no Bamboo Garden Spa. Naquela área, há salas de massagens com uma lista de propostas que inclui massagem dupla para casais “Pedro & Inês”. E que ali vêm noivas de muito lado, se não para celebrar o casamento, pelo menos para tirar fotografias. Talvez acreditem que dá sorte. Apesar de nesta história se poder ver, afinal, uma celebração do adultério.

A Fugas esteve alojada a convite da Quinta das LágrimasHotel Quinta das Lágrimas

Nome
Hotel Quinta das Lágrimas
Local
Coimbra, Sé Nova, Rua António Augusto Gonçalves
Telefone
239802380
Website
http://www.quintadaslagrimas.pt/
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