Chegamos já de noite, atravessámos as estradas estreitas da serra de Sintra, passámos pela sombra inquietante da Quinta da Regaleira, e, de repente, o Palácio de Seteais surge numa curva da estrada, o relvado impecável, a fachada iluminada, as duas alas unidas por um arco.
É como se estivéssemos a entrar num cenário. "É com muito prazer que o convidamos a ser um hóspede da história", diz-nos um texto de apresentação. Vamos então ver que histórias nos esperam. Podia ser um dos livros de Agatha Christie (e descobrimos mais tarde que a escritora foi em tempos hóspede de Seteais), em que os convidados vão chegando para um magnífico fim-de-semana num palacete de um lorde excêntrico, que decidiu reunir um grupo improvável de hóspedes para uma noite que há-de acabar de forma misteriosa. Poirot será certamente um desses hóspedes.
Está-nos reservada a suite, a única deste palácio construído no século XVIII por Daniel Gildemeester, consul holandês em Portugal e amigo do marquês de Pombal. Dado que o palácio (transformado em hotel em 1955) foi inicialmente uma casa familiar, os seus quartos são todos diferentes. Coube-nos o maior, e a grande e pesada chave que temos na mão parece a chave de uma porta mágica.
Abrimos a porta e, como a Alice no País das Maravilhas, passamos para o outro lado - uma sala à nossa direita, o quarto à esquerda. E a cama, alta (ou somos nós que, como Alice, nos sentimos pequenos?), coberta com um fofo edredão branco e quatro grandes almofadas. O mobiliário é antigo - todo impecavelmente restaurado pela Fundação Ricardo Espírito Santo numa profunda obra de remodelação que levou o palácio a fechar durante um ano, reabrindo em Março de 2009 - mas há duas ou três cedências ao conforto moderno: um ecrã plasma, uma máquina de café Nespresso, um telefone móvel. Só depois descobrimos os tais pormenores.
Num canto do quarto, o aroma das flores que enfeitam uma jarra, junto à entrada uma antiga caixa de madeira onde podemos deixar os sapatos que queremos engraxados no dia seguinte, na casa de banho o sabonete com cheiro a citrinos ("a glimpse of glamour"), a flanela para os sapatos ("a touch of brightness"). Aqui tudo é assim, suave, discreto, não há luxos exagerados - é um toque, um vislumbre, uma sugestão.
É hora de jantar. Descemos pela escadaria até ao andar de baixo e somos guiados pelo som de uma harpa tocada ao vivo (há noites de harpa e outras de piano) para a sala de jantar, onde a luz das velas se reflecte numa grande mesa de tampo espelhado. Jantamos - canja de Santa Teresinha com sêmola de trigo, folhado de linguado recheado com alho francês, queijadas com gelado de canela e baunilha - e em seguida aventuramo-nos pelos corredores.
Passamos por uma sala com as cenas ingénuas dos frescos que o francês Jean-Baptiste Pillement ali pintou no século XVIII, por outra com as paredes forradas a seda pintada à mão, pelo piano antigo, por bustos, quadros, mesas de mármore, móveis requintados, recantos discretos. O som da harpa está mais distante e parece-nos agora ouvir o restolhar de saias de anquinhas como se alguma donzela tivesse subitamente dobrado uma esquina para não a apanharmos em ligações perigosas com o irresistível Visconde de Valmont (e havemos de descobrir que John Malkovich, o Valmont das verdadeiras Ligações Perigosas, filmadas por Stephen Frears, esteve instalado em Seteais).
- Nome
- Tivoli Palácio de Seteais
- Local
- Sintra, São Martinho, Rua Barbosa de Bocage, 10
- Telefone
- 219233200
- Website
- http://www.tivolihotels.com