Na única pousada de Portugal na região demarcada do Douro, há memórias de um barão estampadas nas paredes, provas de vinho do Porto, um menu gourmet carinhosamente elaborado com produtos da região. O ar reconforta os pulmões, as vinhas estão aos nossos pés, o rio corre lá em baixo. Alijó para experimentar e chorar por mais.
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O Douro já andava a passear-nos pela cabeça há várias semanas. Imagens de vinhas de cachos generosos, de uvas sumarentas à espera das vindimas, geometricamente desenhadas na paisagem dos socalcos alinhados, de quintas a perder de vista, não nos largavam nesses dias de intenso calor que antecederam a partida.
Malas feitas, nome de um barão na ponta da língua, carro apontado a Alijó, partimos como se não houvesse amanhã para esbarrar com o decalque de um mapa do Douro, feito no século XIX, do tamanho de uma parede. O Douro como era, inteiro, despido, à nossa frente, na recepção de uma pousada que respira tranquilidade e que tão bem compreende a palavra descanso e suas cambiantes. Chegámos e respirámos o Douro.
À entrada da Pousada Barão de Forrester, no coração de Alijó, percebe-se imediatamente que ali se respeita a vida de um homem teimoso que, rio abaixo, rio acima, vincou para a posteridade as veias do Douro num mapa surpreendente para a ocasião. Nesta casa, com o Douro aos pés, conta-se a história de um barão multifacetado que defendia que o vinho do Porto devia ser pisado como deve ser. Com tempo e amor.
Este barão não foi um homem qualquer. A curiosidade aperta. Fernando Gonçalves está na recepção, disponível, simpático, e quando lhe perguntam quem foi o barão de Forrester estende, de imediato, um pequeno papel escrito à máquina, uma espécie de cábula que um senhor com mais de 80 anos, natural de Sanfins do Douro a residir em Lisboa, gentilmente lhe ofereceu.
Joseph James Forrester, barão escocês, um importante negociante do Porto que chega a Portugal por intermédio de um tio. Autor do mapa do Douro, "levantou a planta do rio, pouco vulgar hoje". "Escreveu muito sobre o Douro, e a região do vinho do Porto", lembra o cliente da pousada no papel que ali deixou e que tem passado de mão em mão com regresso garantido às mãos de Fernando Gonçalves.
O dedo do arquitecto Paulo Gomes não engana. Se o barão não foi ao edifício de traços antigos - leia-se que o senhor nunca ali meteu os pés, morreu muitos anos antes do edifício ser construído - foi a pousada recuperar as memórias desta emblemática figura a quem o Douro aprendeu a tirar o chapéu.
Barão de Forrester morreu no rio Douro, em 1861, com 52 anos, quando o seu barco se afundou no traiçoeiro cachão da Valeira. A Ferreirinha, que também viajava nesse barco, conseguiu escapar com vida. Do barão, que transportaria libras de ouro à cintura e mais algumas moedas nas botas que chegavam aos joelhos, nada se soube e o seu corpo nunca foi encontrado.
Restaurante O Barão
É hora de conhecer a casa. Num edifício de 1944, 21 quartos contam histórias através de imagens que ocupam paredes de alto a baixo na cabeceira das camas. Imagens de pipas, do Douro, dos barcos, do Porto, e do barão de risco ao meio, cabelos encaracolados, que faz pose para o retrato de braços cruzados. Em cada quarto, uma imagem que não se repete. Cenários que são revelados aos hóspedes - que obviamente não podem percorrer todos os quartos - nas cartas de menu do restaurante da pousada. De um lado, a ementa, do outro, a decoração dos quartos. O restaurante de seu nome O Barão (coerência acima de tudo), está aberto a clientes e não clientes e apresenta-se como um espaço de encontro com os sabores do Douro. Queremos saber o que isso é. Uma sopa de nabiças e alheira em cama de grelos, assim para começar sem pestanejar, depois de um vinho do Porto com laranja servido como aperitivo. Na mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo, património mundial, há um sítio que nos lê os pensamentos. Estamos bem entregues.
Estamos no Douro, pois então. Ali o estômago não se pode queixar. A cozinha tradicional portuguesa e regional não pode faltar sobre a mesa, com certeza, mesmo com uma apresentação modernaça no prato. O que temos no restaurante O Barão? A lista depende da época do ano e da caça disponível na ocasião, para que os produtos sejam mesmo frescos. O que se aplica aos legumes, aplica-se à carne. Temos coelho frito em vinha d"alhos, javali no pote com castanhas e carqueja do monte, cordeiro na brasa com migas de grelos e feijão frade, perdiz estufada com cogumelos selvagens e perfumados com vinho do Porto, pudim de laranja com raspas de amêndoa, maçã caramelizada com mel e vinho do Porto com uma bola de gelado. Queremos sossego e temos sossego, queremos boa mesa e temos uma oferta variada e um serviço irrepreensível a cada passo.
Firmino Galego, chefe de sala, conhece os cantos à casa e move-se como ninguém naquele perímetro de refeições decorado em tons brancos e negros para lembrar o Douro do xisto e dos vinhedos em socalcos. Ali trabalhou e ali reiniciou uma nova etapa da pousada que foi mandada construir pelo então presidente da câmara, José Rufino, na década de 40 do século passado. Sabe a história de trás para a frente e não esconde a satisfação do nome do barão estar mais presente nos compartimentos da pousada.
A história é importante, o descanso também. Piscina, court de ténis, sala de jogos, sala de televisão, livros sobre a história de Alijó e do Douro espalhados por várias mesas. Muito sossego. Tal e qual o Douro que andávamos a namorar e que nos recebe de braços abertos e sorriso no rosto. Estamos na única pousada de Portugal do Douro vinhateiro. E estamos muito bem. Vista para a piscina na varanda. Tranquilidade ao redor. Se o corpo quer descanso, não se pode queixar.
Cheira a vindimas
Há mais vida lá fora. Piscina, restaurante, descanso, pé fora da porta, pé no centro de Alijó. Há um parque infantil mesmo ao lado. Favaios está à mão de semear e quem resiste a ir prová-lo e trazê-lo para casa? Pinhão também não fica longe, por entre caminhos de vinhedos e mais vinhedos, de quintas cujo nome sabemos de cor, num caminho que desce em direcção ao rio com paisagens que desconfiamos que têm o poder de lavar almas sem mexer uma palha. O Douro é mágico, nós sabemos.
Cheira a vindimas e a pousada não facilita. Carla Macieirinha, esposa do actual proprietário, anda atarefada para fazer um programa à maneira. Pouco depois, e após vários contactos, está tudo num papel afixado no elevador. Nota-se que a senhora tem olho, muitas ideias, e energia para dar e vender. Até 26 de Outubro, a Quinta de Avessada, em Favaios, ali ao pé, abre as portas aos clientes da pousada para uma experiência com o rótulo do Douro. Só pode ser bom, não experimentámos, mas desconfiámos. Um passeio pelos jardins da enoteca da quinta com moscatel e som de concertinas a acompanhar antes de arregaçar as calças para ver e experimentar como é uma vindima à sério. Há baldes e tesouras para distribuir e colocar a mão nas uvas. Ao almoço, os enólogos estão ao dispor para qualquer curiosidade durante uma prova de vinhos. À tarde, é hora de pisar as uvas no lagar e quem quiser experimentar pode fazê-lo num momento animado, claro está, por um grupo de cantares da região. No final, há lanche e uma prova documentada de vinhos licorosos. Este é o segundo dia do programa que a pousada preparou. O primeiro inclui um jantar no restaurante da pousada e o terceiro, e último, é dedicado a um passeio de barco no rio Douro. Tudo isto, com duas noites em quarto duplo em regime de meia pensão, custa 180 euros por pessoa.
Rui Sousa, empresário de Alijó, dedica-se ao ramo da construção civil e obras públicas, comercializa máquinas agrícolas e industriais, e não olhou para trás quando soube que a pousada da sua terra estava à venda por um milhão de euros. Comprou-a em Maio, reabriu-a em Junho, investiu 1,5 milhões de euros na compra e em equipamentos. Contratou um arquitecto, fez algumas remodelações, e decidiu realçar o nome do barão e as suas múltiplas facetas de pintor, cartógrafo, comerciante do Douro. Além dos papéis de parede dos quartos, há gravuras de desenhos do barão espalhadas pelas salas. Desenhos da vista do Porto, da feira da Cordoaria, da igreja de S. Nicolau, do Convento de Santo António, do século XIX. "Quisemos dar mais reconhecimento à personagem, mais importância", explica-nos. Conseguiu.
O coração acaba sempre por falar mais alto. Rui Sousa não quis perder a oportunidade de alargar o leque dos seus negócios, investir noutra área, mas sobretudo não permitir que aquele espaço a que se habituou a ver na paisagem de portas abertas ficasse abandonado. "A pousada sempre trabalhou muito bem". O bom nome e a clientela assídua confortaram-no no momento da decisão. "É uma aposta para o turismo que tem vindo a crescer no Douro". Um Douro que tão bem sabe receber. Havemos de lá voltar.
A Fugas esteve alojada a convite da Pousada Barão de Forrester
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Como ir
No GPS 41º16"31.35""N 7º28"28.64""W. Do Porto, seguir pela A4 em direcção a Bragança. Cerca de 20 quilómetros depois de Vila Real, há uma saída a indicar Alijó. É só seguir as indicações pela EN212 até ao centro da vila, a pouco mais de 12 quilómetros. De Lisboa, seguir a A1 em direcção ao Porto, sair no IP3 em direcção a Viseu, seguir pela A24 em Vila Real. Colocar o carro na A4 no sentido de Bragança e cortar na saída de Alijó.
O que fazer
A pousada tem piscina com espreguiçadeiras, court de ténis, sala de jogos, sala de estar com televisão, restaurante aberto para clientes e não só. Fica no centro de Alijó e a dois passos de Favaios, da cooperativa agrícola, da enoteca, do museu do pão. A menos de meia hora de caminho, está o Pinhão. Se quiser dar uma voltinha de comboio pelo Douro, a pousada trata da reserva. De resto, tem o Douro para visitar.
Preços
Os preços não variam com a altura do ano e incluem alojamento e pequeno-almoço. Ao todo, 21 quartos. Um quarto normal single custa 110€ por noite e um duplo 120€. Um quarto single com varanda fica por 120€ a noite e um duplo por 130€. O quarto do barão, com mais espaço e varanda mais generosa, custa 150€. As camas extra custam 15€ por noite para crianças dos três aos 12 anos. Mais uma cama no quarto para um adulto acresce em 30€ ao valor do quarto.