Fugas - hotéis

Refúgio romântico em família

Por Carla B. Ribeiro ,

Era uma vez um casal que se apaixonou por uma velhinha pousada à beira de uma barragem alentejana. Do amor à primeira vista nasceu o Vale do Gaio Hotel que, cheio de charme, apela ao romantismo ao mesmo tempo que vive de verdadeiros momentos familiares.

É fácil de lá chegar, mas só lá chega quem o tem como destino — até porque a estrada esburacada não convida a grandes passeatas. E só isso faz do Vale do Gaio Hotel uma espécie de esconderijo, onde nos refugiamos durante um fim-de-semana, com a tranquilidade do manto aquático da barragem Trigo de Morais a marcar o ritmo e com todo o verde do Alto Alentejo, na freguesia do Torrão, distrito de Setúbal, a compor o cenário.

Assim que chegamos percebemos que depois de quilómetros e quilómetros sem ver vivalma — são apenas 25km desde Alcácer, mas as curvinhas e o asfalto parecem querer fazer-nos acreditar que são muitos mais —, no pequeno hotel espera-nos uma casa cheia. São todos hóspedes que nunca se conheceram antes, como nos referem, mas depressa o ambiente proporciona a que as conversas se cruzem.

Uma esplanada coberta que se estende para um deck com vistas panorâmicas funciona como um íman. Tudo parece ter sido posto ao acaso: as velinhas, os bules, os jarrinhos com flores do campo, as pedrinhas. Até mesmo a disposição dos distintos e cómodos sofás ou das cadeirinhas, com almofadas floridas e mantas em patchwork. Mas, ao mesmo tempo, compreende-se o empenho para que toda a decoração tenha esse efeito: romântico e nostálgico, mas ao mesmo tempo descontraído.

Por isso, ainda antes do check-in, não resistimos e embrulhamo-nos numa das grossas e fofas mantinhas que nos vão buscar para ver o cair do dia sobre a barragem, ao mesmo tempo que vamos sendo postos a par das conversas que se concentram nas manobras de filmagem de um drone, um aparelho voador comandado remotamente, que depressa entra para a lista de presentes a pedir para o Natal para os miúdos, que não conseguem desprender o olhar do pequeno robot.

Ainda não fizemos check-in, mas isso não significa que ainda não tenhamos sido recebidos. Pelos proprietários, pelos funcionários e até mesmo pelos dengosos cães que fazem as delícias dos mais pequenos. Todos como se nos estivessem a acolher na própria casa. A simpatia e a amabilidade é a nota dominante, e volta a sê-lo quando finalmente nos dirigimos ao interior do pequeno hotel para darmos o nome da reserva em troca da chave do quarto.

Com casa cheia, ficamos no piso térreo, sem direito às varandas que servem os quartos do primeiro andar. Nada que nos faça falta quando um mega-terraço nos aguarda no exterior. Além do mais, sem grandes luxos, não há nada nos alojamentos que desagrade, mas também não há nada que nos impeça de sair.

Há três tipos de quartos, todos equipados com cama de casal, televisor com canais premium, ar condicionado e secador. As diferenças entre os três tipos de aposentos começam pelas vistas e incluem alguns serviços. Assim, o quarto Standard não tem vista sobre a barragem; o View, onde ficámos, além da vista do piso térreo, engloba ainda cofre, minibar e acesso livre à Internet; e, por fim, o Superior View, que junta às ofertas do anterior uma varanda sobre a barragem. A decoração em qualquer um dos quartos é básica, totalmente dissonante com a multiplicidade de estímulos decorativos que se experiencia tanto no deck exterior como no salão de convívio, ou mesmo no pequeno balcão de check-in, que acumula funções de bar e de loja.

Mas, se por um lado se estranha a diferença, esta acaba por se tornar prazenteira — afinal, o que mais se quer para uma noite repousada é mesmo uma envolvência tranquila. Assim, à excepção do televisor, tudo remete para o silêncio. O soalho é em madeira flutuante. Ao centro, uma cama espaçosa e macia, feita de roupas alvíssimas, cuja cabeceira, em madeira, se estende por toda a parede. À frente desta, um aparador, também em madeira, onde a televisão foi estrategicamente colocada, e uma pequena mesa apoiada por dois maples. Numa das paredes, o roupeiro em madeira escura. Apenas três apontamentos parecem querer romper com o básico: uma cadeira e mesinhas de cabeceira brancas design e uma mantinha colorida a rasgar o branco da cama.

As casas de banho também primam pelo espaço, embora certos detalhes ainda nos remetam para o passado, quando este espaço era uma pousada Enatur — os trabalhos de remodelação, como nos explicaria mais tarde o proprietário, têm vindo a fazer-se aos poucos e o hotel é uma espécie de work in progress. A comprová-lo, exibe-se no hall de entrada para os quartos a maquete de um estudo que aproveitaria o declive natural para construir mais quartos, numa secção separada da casa principal. No entanto, além do investimento que envolve, Vasco Gallego tem dúvidas se a expansão do espaço é o que se pretende — afinal, não basta crescer em número de quartos; há que fazê-lo depois em todas as outras valências. “Como é que depois sento toda a gente para o pequeno-almoço? E a piscina? Dará para todos?” Além disso, quanto mais gente, menor será o nível de intimidade, explica-nos. “E esta é acima de tudo uma casa para receber amigos.”

Ao mesmo tempo que o sol se vai escondendo, reforça-se a lenha, aromatizada pelo rosmaninho e pelo alecrim colhido dos jardins, numa espécie de salamandra em barro. A cor do fogo e o calor à sua beira volta a ser uma boa desculpa para nos esgueirarmos para fora do quarto e ficarmos ali pela rua antes de decidirmos se ficamos para jantar ou se vamos em busca de algo pela região. Mas, ou não fosse o proprietário deste hotel também dono de um bem afamado restaurante lisboeta, o XL, havemos de acabar por sucumbir ao menu proposto pelo hotel, rendidos aos sabores do Alentejo.

De pousada a hotel

A primeira visita ao Vale do Gaio, no início do milénio, foi tanto para Gallego como para a mulher um caso de amor à primeira vista. E depressa viram naquele espaço, totalmente diferente do que é hoje, sublinhe-se, aquilo que poderia vir a ser: uma casa de fim-de-semana para fugir ao rebuliço da cidade, para aproveitar a calmaria alentejana, para apreciar a rica e farta gastronomia da zona. E para receber amigos.

A então Pousada Vale do Gaio, gerida pela Enatur, acusava os anos de vida (abriu originalmente no fim da década de 1970) e o cansaço dos serviços, da decoração, da estrutura. Mas continuava a ser um espaço de sonho, sobretudo pela sua localização. A aquisição da unidade não foi imediata, mas acabaria por se concretizar anos mais tarde. E, cerca de oito anos depois, da velha pousada pouco sobrou. Para o comprovar, Vasco não resiste em mostrar fotografias desse tempo de pesados reposteiros, de espaços pouco iluminados, de camas velhinhas.

Escrutinamos as imagens do passado enquanto nos sentamos ao seu lado num amplo salão, cuja frente envidraçada voltada para a paisagem deixa entrar todo o verde, casando-o com uma decoração em que impera a natureza numa vertente que oscila entre o romantismo e uma certa rusticidade nostálgica. Na mesa de apoio ao centro dos confortáveis sofás, duas crianças em idade pré-escolar pintam desenhos sob a guarda da mãe, que aproveita a manhã para pôr a leitura em dia; na mesinha do canto, um casal prepara-se para uma partida de dominó; lá fora, uma criança mais pequena percorre os jardins, subindo e descendo a escadaria que nos pode conduzir à zona da piscina, servida por um pequeno bar de apoio, mas também à margem da barragem, onde algumas canoas empilhadas desafiam a entrar pela água adentro.

As actividades à volta do Vale do Gaio são muitas e não há aborrecimento que vingue. Os que não dispensam algum movimento ao fim-de-semana têm passeios de bicicleta e de barco, aventuras em canoa, treinos de tiro com arco e flecha. Já os amantes da natureza podem aproveitar a ausência de ruído visual à noite para observar estrelas ou, se a paciência for a nota dominante, dar uso aos binóculos e ir espreitar os pássaros. E se a chuva não der tréguas, há sempre a possibilidade de se entreter em jogos de mesa, com os matraquilhos, com as setas ou com os jogos de vídeo. Ou então, simplesmente, fazer nada: dormir, conversar, comer (muito bem), ver filmes e dormir mais.

Talvez por isso o hotel é cada vez mais aquilo que Vasco Gallego ambicionou um dia: a casa de fim-de-semana para si e para hóspedes que já se tornaram amigos.

Nome
Vale do Gaio Hotel
Local
Alcácer do Sal, Torrão, Barragem Trigo de Morais
Telefone
265669610
Website
http://www.valedogaio.com/
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