Quase perfeito
A milhas da imponência do edifício que Pedro Pimentel e Tiago Rebelo desenharam para a encosta junto ao ponto de encontro entre o Côa e o Douro, a Suite dos Bogalhais, o pequeno parelipípedo de madeira que nos trouxe aqui, partilha, no entanto, uma mesma ambição de plena integração na paisagem. Ou não tivesse escapado à nossa vista, à chegada. Romão subiu e desceu este montículo à procura do sítio certo, até que percebeu que o spot estava uns metros fora da propriedade que comprara. Apesar não entender o interesse de tão inútil parcela, o dono, o velho senhor Fernando, que nestes dias se dedica com a mulher à apanha da amêndoa, acabaria por vendê-la.
Não é difícil perceber o senhor Fernando. Ele é que não nos perceberá a nós, que nos deleitamos a observar os telhados e a muralha da sua Marialva de todos os dias emoldurados pelos dois sobreiros que, à nossa frente, definiram o ângulo certo de instalação da casa. Pensado a este pormenor, o cenário só poderia roçar a perfeição.
Uns metros mais acima, abrigadas por uns pedregulhos, duas espreguiçadeiras permitem-nos escolher entre outro ângulo da história do país ou, para quem prefira olhar o céu, a história, bem mais longa, do Universo. Uma e outra trocáveis pela possibilidade de não pensar em absolutamente nada. O que nem é difícil, se nos deixarmos levar pelo borbulhar do espumante do Dão que nos espera à chegada.
A garrafa estava lá dentro, pousada em frente à cama king size, num tronco de madeira feito mesa, o único elemento rústico num open space onde, a começar num móvel branco, minimalista, que esconde a TV e um frigorífico, e do qual sobressaem dois bastões para caminhadas, tudo é contemporâneo. Ou quase tudo, porque, acima da imponente banheira com vista, um quadro feito de musgos e líquenes evoca a vida que, para lá do vidro, se agarra às árvores e às pedras. A tela, transformada em natureza viva, expressão actual de um certo desejo de retorno à terra, convive bem com os artefactos pensados para diminuir a pegada ecológica deste T0. Onde a luz pode ser diminuída ao consumo mínimo de energia, e a água, fria ou aquecida pelo inevitável painel, é reaproveitada.
A energia ainda provém da rede pública, mas Paulo Romão já está a preparar o lugar onde há-de instalar painéis fotovoltaicos que alimentarão esta suite e outros alojamentos de características semelhantes que projecta plantar noutros espaços do monte dos Bogalhais. Cada um tem o seu encanto, todos a respectiva privacidade, mas nenhuma dessas novas casas gozará deste privilégio de ter a aldeia de frente.
Contudo, poderão ter o telhado verde que esta suite ainda não tem, ou receber, como esta, um jardim vertical numa das suas paredes exteriores. E também como neste caso, a água da rega será recuperada para alimentar um tapete protector feito de tomilhos, santolinhas, alecrim e alfazemas várias. Ervas aromáticas como as que crescem por estes montes fora.
Algumas destas ervas estão na horta das Casas do Côro cujos donos, se não produzem tudo o que precisam para abastecer o restaurante, compram o que podem nas redondezas. Outro gesto que, para além de um óbvio impacto na economia local, poupa CO2 nas deslocações. Com uvas suas e outras compradas a vizinhos, Paulo Romão começou a produzir vinhos próprios, dando ao cliente a oportunidade de provar néctares com a assinatura de enólogos como Dirk Niepoort, Carlos Lucas ou Rui Madeira, por exemplo. Companhia ajustada para a carta que Cármen Romão propõe diariamente e que, na noite em que partilhámos a mesa com o casal, abria com uma tradicional bola de azeitona antes de nos levar por combinações mais inesperadas, como a do folhado de espargos verdes servido com doce de pêssego com um toque de aguardente velha.
- Nome
- Suite dos Bogalhais
- Local
- Meda, Marialva, Casas do Côro - Marialva (Meda)
- Telefone
- 917552020
- Website
- http://www.casasdocoro.com