Fugas - hotéis

O hostel é Independente, o restaurante é Decadente

Por Luís J. Santos (texto), Joana Bourgard (vídeo) ,

Há novo hostel lisboeta em palácio, entre Bairro Alto e Príncipe Real, onde a poupança convive com o luxo. Pode dormir-se em camarata num inovador tripliche, por uns 13 euros, ou numa suíte deluxe por cerca de cem. Pode beber-se um cocktail luso no bar ou saborear um jantar “cool”. É para o visitante, é para o lisboeta, é The Independente e seu restaurante The Decadente, projecto familiar de irmãos com grandes planos e uma aposta no que de Portugal tem de melhor.

É dia de luz branca em Lisboa e ela entra toda pela janela. Traz reflexos de jardim, da Baixa e do Castelo, adivinha-se o rio. Um luxo. Os olhos sobem pelo imenso pé-alto do quarto, de cores, materiais e design limpos e apurados, com um grande sofá frente à janela a convidar a prosseguir a preguiça. Um cenário que poderia estar a ser vivido em qualquer hotel cinco estrelas do centro da capital, nao fosse a minha cama ter três andares - é um tripliche, com três camas empoleiradas, no meu quarto caberem 12 hóspedes e cada um não ter que pagar mais do que o preço promocional de 12,99€ para dormir aqui.

É a versão low cost do novíssimo hostel The Independente. Mas há outras versões: a mais cara fica uns andares acima, com a cobertura a albergar suites premium, com direito a terraço privado e amplas vistas, aqui já em redor dos cem euros; no rés-do-chão, um restaurante criativo e cool, o The Decadente, de custo médio (um jantar ficará pelos 17 ou 18 euros). Tudo envolto num projecto de design e decoração pensado ao detalhe - e assinado pela arquitecta Catarina Cabral -, incluindo uma miríade de peças vintage e influências art déco.

"É uma conciliação", resumir-nos-á Duarte d' Eça Leal, um dos irmãos que compõem o grupo que gere este projecto familiar, "uma conciliação" de nichos, de  hóspedes, de orçamentos e, também, de visitantes e lisboetas, convidados a partilharem o bar e restaurante com os viajantes. Até porque todo o espaço vive sob os motes, precisamente, da relação entre viajantes e residentes, da sustentabilidade e, "sobretudo", de Portugal e dos produtos portugueses (o que vai das camas e suas roupas aos materiais e mobiliário, da cozinha ao bar - "até temos um poejito, uma variação do mojito só que com licor de poejo", exemplifica Duarte).

De viajante para viajante

O The Independente nasceu em Setembro, no palácio Schindler, frente ao jardim de São Pedro de Alcântara, edifício de inícios do séc. XX, planeado para residência do embaixador suíço e que, entretanto, até teve outras vidas mais públicas (foi casa da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS - também conhecida por ter albergado o bar Politika da Juventude Socialista que, políticas à parte, animou muita noite do BA - e mais recentemente até sede da candidatura de António Costa à presidência da autarquia lisboeta). Com o edifício "a voltar ao mercado", explica Leal, surgiu a oportunidade de a família avançar na hotelaria, após uma experiência inicial com a Casa da Pinheira (ou, na curiosa versão internacional, The House of the She-Pine-Tree), uma guest house no Sabugo, Sintra.

E o que não falta é ambiente familiar nestes projecto: além de Duarte, compõem o grupo mais dois irmãos, Bernardo e Martim, e ainda Afonso, apenas mano deste último. E há uma figura tutelar com pergaminhos, o arquitecto Tomaz d'Eça Leal, o pai dos três primeiros irmãos, com quatro décadas de experiência a desenvolver projectos turísticos. Já se vê que casas e turismo correm no sangue desta família - aliás, os próprios irmãos já estiveram ligados a profissões próximas deste negócio. Além de partilharem também o gosto por viajar - "Juntando toda a nossa experiência de backpacking diria que temos uns três anos de mochila às costas, da Ásia às Américas e Europa", conta Duarte, que já trabalhou numa grande imobiliária, durante mais de uma década, em Londres. "Temos todos uma grande paixão pelas viagens, por isso não nos identificamos com um determinado segmento de hotelaria", sublinha Duarte, salientando a busca de uma "alma" para o espaço.

Esta "alma" cosmopolita sente-se logo à entrada, com uma recepção que resume e abre para todos os sinais que ecoam pelo edifício. Com influências notórias de hotéis clássicos de viajantes, o The Independente recebe-nos numa elegância acutilante. Hóspedes e visitantes das mais variadas proveniências e lisboetas admiram as paredes vermelhas, os tectos trabalhados, as cadeiras e cadeirões vintage, as malas de viagem decorativas, até a cirúrgica sinalética. O design chegou a todos os recantos e a decoração é de uma coerência global feita de tantos itens que não há espaço que chegue para enumerar detalhes. Escadaria acima, os aposentos low cost e premium. No rés-do-chão, os espaços destinados a todos, hóspedes e residentes na cidade. Objectivo: contrariar "aquele cenário de um sítio só para turistas", diz Duarte. Lá está: trata-se de "conciliar": "Um lisboeta pode mostrar a sua cidade, dar uma opinião, melhor que qualquer guia. Esta conciliação das pessoas também dá confiança a quem está a visitar".

A isto, acrescenta, junta-se a aposta na "profissionalização global" e na equipa. Bom exemplo: os funcionários foram enviados a conhecer 37 museus (destes, só não sugerem cinco, mas não dizem quais...) para poderem melhor aconselhar a clientela.

Dar ao dente no Decadente

Um longo e sólido bar feito de OSB (um aglomerado de madeira reciclado e 100% reciclável, o mesmo usado para as camas) dá-nos as boas-vindas ao lounge, que se prolonga por um corredor protegido até ao restaurante - e há ainda uma esplanada a usar nos dias mais acolhedores. Entre manequins, velhos móveis restaurados, cadeirões e candeeiros centenários, mapas e sinais de Portugal e do mundo ou relógios tamanho parede, propõem-se cocktails ou vinhos, com direito a concertos e outros eventos ao longo da semana. Incluindo um "mercado dos livros", onde não se vende nada: trocam-se uns livros por outros ou mesmo (uma vez por mês) por copos de vinho. São livros, também eles, viajantes, janelas para o mundo: um imponente painel, um puzzle único de velhas madeiras e portadas, serve de base de apoio às estantes de livros. 

É na grande sala que se segue, pontuada por uma restaurada mesa de carpinteiro - que serve de apoio e onde descansam uma balança ou fruteiras -, a provar um apurado arroz malandrinho de peixe e camarão (uma das estrelas da ementa, baptizado de Portugal no Prato), que se conclui: o restaurante do hostel, o The Decadente, ainda é tão novinho e já tem mesmo muita gente "a dar ao dente". Se todos os restantes espaços são mais internacionais, eis o espaço com que o hostel, em muito pouco tempo, conseguiu atrair (caso raro na hostelaria) uma clientela bem portuguesa. "Tem estado sempre cheio desde que abrimos", garante Nuno Bandeira de Lima, jovem chef que, aos 29 anos, conta já com uma década de experiência com passagem em casas de referência (no CV: VirGula, Lapa Palace, Esperança, Carlton Palace, Altis Belém). Aqui, aposta "numa cozinha portuguesa moderna", "uma cozinha simples e prática", sazonal, que "surpreenda", com pratos "confeccionados de um modo correcto e sem grandes voltas", a um "preço justo e acessível", "que não engana o cliente". E, sublinha, "em que o prato, quando chega à mesa, o cliente consiga distinguir cada ingrediente". "É portuguesa com um twist", resume o sous-chef Thomas Manchini. As provas são dadas com cremes de legumes ou saladas especiais que contrastam ingredientes e sabores (como a da casa, Independente), secretos com migas de farinheira e grelos, "um grande bife que é um ''winner'" ou no bacalhau confitado com mel e amêndoas. As propostas vão mudando mas, como resume Manchini, será sempre uma cozinha "que dá a cara a Portugal", "com os nossos produtos".

O que não é de admirar é que o típico cliente de hostel possa ficar impressionado com tal sala, ladeada por um painel de madeira que guarda vinhos e outras preciosidades e por um mural de azulejos Viúva Lamego. Além dos jantares (e almoços e brunches em breve), é também aqui que são servidos os pequenos-almoços aos hóspedes (e visitantes, por 4 euros). Mas, convenhamos, o preço médio de 17 a 20 euros por um jantar pode ser demasiado para um baixo orçamento. "É por isso que criámos alternativas", explica Duarte d' Eça Leal, com menus especiais para hóspedes (a partir de 12,5€) e até uma boa e económica ideia: podem jantar com o staff e pagar apenas 5 euros por um prato ("e nós comemos bem", garante). 

Do tripliche à suite

O hostel estende-se por dois pisos do edifício em 13 dormitórios com mais de uma centena de camas - cada um pode ter entre quatro e doze. O grande achado destes quartos são os tripliche: desenhados pela arquitecta Catarina Cabral, que foi beber inspiração às tradicionais caixas de fruta de madeira, empoleiram três camas feitas em OSB, que têm anexas umas "escadas" (em caixotes que servem também de armários) feitas no mesmo material. O facto de a cama superior se elevar a 2,40m de altura tanto causa receio como atrai. Num dos quartos, três jovens catalãs mal chegam ao quarto não perdem tempo: escalam para a cama de cima e aproveitam para se fotografarem enquanto, entre risos, admiram as vistas. Cada um dos dormitórios (unissexo, mas há um só para raparigas) tem direito a um recanto lounge, com sofá ou cadeirões e mesinhas, "para não se sentir que é uma cama dentro de um hostel", diz Duarte. As casas de banho, claro, são partilhadas e há várias. Também não falta uma cozinha social.

Já no topo, está-se mais perto do céu - e em primeira classe, com direito a elevador com acesso exclusivo: em penthouse, contam-se quatro suítes duplas, dirigidas a outro escalão e com mobiliário vintage e predicados à medida, incluindo casa de banho e terraço privados para cada uma, e com direito a toda a Lisboa à vista e pequeno-almoço servido no quarto.

Para os hóspedes, há um leque ecléctico de propostas, incluindo passeios e tours, lições e provas de vinhos ou mesmo massagens orientais - tudo graças a parcerias com empresas e profissionais especializados nestas áreas.


The Família
A conjugação de diferentes nichos e serviços no Independente demorou algum tempo a planear e concretizar, sendo que o projecto, de hotelaria e restauração, começou a ser delineado em 2008, "com um estudo exaustivo do mercado e do que Lisboa tinha para oferecer", conta-nos Duarte. Com um investimento planeado de cerca de um milhão de euros, são elevadas as expectativas: "Queremos criar uma referência nesta cidade, a nível de gastronomia e alojamento, de lazer e turismo, na interacção das pessoas e na animação cultural". O Independente, aliás, é apenas passagem para o crescimento do portfólio da família: está em estudo a abertura no Porto e, por Lisboa, já está planeada uma guest house em Santos, aí apenas com 16 quartos e um pequeno restaurante com sky lounge no último andar - tudo para abrir daqui a mais de um ano; e há também mais projectos para a zona do Bairro Alto/Príncipe Real.


Informações

The Decadente: Preço médio 17/18€ por jantar. Pequeno-almoço a 4€ para não-hóspedes. Aberto para almoços e brunches em breve. Jantar a partir das 20h (aberto até 00h de 2.ª a 5.ª; sextas e sábados até às 2h). O bar propõe também eventos e concertos.

Hostel The Independente
: Em camarata desde 12,99€ (promocional). Suites duplas entre 80€ e 125€.

Nome
The Independente Hostel & Suites
Local
Lisboa, Encarnação, Rua de São Pedro de Alcântara, n.º 81
Telefone
213461381
Website
http://www.theindependente.pt
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