Fugas - hotéis

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O meu hotel dava um filme

Por Luís J. Santos ,

Das ruínas do Águia D' Ouro de tantas memórias, a Invicta viu nascer um hotel económico mas com fachada de luxo, a mesma do velho cinema, restaurada. Lá dentro, "não há luxos", há "conforto ao melhor preço". Por 40 euros dorme-se uma noite descansada no novo B&B Porto Centro - inauguado oficialmente a 16 de Dezembro -, onde, dos filmes, só resta a decoração com retratos de Hollywood e um ou outro objecto. Mas há novas estrelas por aqui.

A acção começa logo na fachada, preservada, deste antes cinema Águia D'Ouro. Façamos dos olhos a câmara: não há forma de evitar a admiração ao percorrer a frontaria erigida por volta de 1930. Do cinema, só resta esta sólida renda, passada a janelas e janelões e um grande varandim para o largo. Por trás deste rosto, é tudo, mas tudo mesmo, novo. Até os retratos dos actores e actrizes de Hollywood que decoram os diferentes espaços. É que pouco se salvou dos destroços do velho cinema da Invicta, na Batalha, abandonado, nos finais da década de 80, a uma ruína que embaraçava a memória.

Agora, onde durante muitos anos houve sonhos de celulóide e antes grandes tertúlias intelectuais, ergue-se um edifício cujo volume nem se adivinha da rua. É a fachada trabalhada que impressiona de imediato mas é quando se passeia pelos cinco pisos do novíssimo hotel que a surpresa é maior. Particularmente quando se fica a saber que, além do nosso, a fachada de 17 metros protege mais 124 quartos.

Aberto em Outubro - e com inauguração oficial a 16 de Dezembro, é um hotel de duas estrelas, económico - ou "econo-chic", há-de resumir-nos a subdirectora da unidade, Gisela Barros, o Porto Centro, literalmente, já que tem todo o centro histórico a dois passos - , marca a estreia em Portugal da cadeia B&B, uma insígnia de hotelaria budget, forte em França e em expansão pela Europa. Quis o destino que a estreia fosse nesta localização iconográfica da história portuense.

Pelo nosso quarto, é certo, só há cinema via ecrã de plasma e um vislumbre de outros tempos através de um romântico retrato em que Robert Redford abraça Jane Fonda. Mas, até ao final feliz dos sonhos, já tínhamos passado por Bogart, Marilyn, Audrey Hepburn, Clark Gable ou Grace Kelly - "andam" todos a actuar pelos espaços e pelos corredores sóbrios, longos, de cores neutras, em que as áreas dos quartos são protegidas com portas que fazem lembrar as salas de cinema. 

"A decoração serve para reforçar essa memória", diz-nos Gisela Barros. "É um edifício emotivo para muita gente." É natural, foram tantos os filmes que tanta geração de portuenses por aqui viu - até o primeiro filme sonoro (por sinal, o All that Jazz). Curiosamente, o edifício do Águia, de 1897, começou por ter sina de hospedaria, tendo passado a café com teatro em 1839. Não um café qualquer: foi um dos grandes dos finais do século XIX, com tertúlias e figuras imponentes como clientes, de Camilo a Antero de Quental e referências na literatura, como n" Uma Família Inglesa de Júlio Diniz.

"É como se tivéssemos devolvido o sítio à sua vocação", diz-nos Gisela. Só no virar do século a sala passaria a cineteatro e a emblemática fachada que se conhece hoje, preservada, só mostrou a sua real cara nos anos 30, quando o edifício cresceu e passou a ocupar dois lotes, tendo sido necessária nova frontaria que unificasse o prédio. E, 80 anos depois, é esta cara como nova (a que só falta o velho símbolo de Cine Águia, perdido) que atrai os olhares de todos os que passam, concorrendo (pela novidade decerto) com outra construção de fachada divina, a Igreja de Santo Ildefonso, no largo logo ali à frente, coberta de azulejos de Jorge Colaço - além de ser vizinho de outro cinema abandonado, o Batalha, ou ter logo ali o Teatro Nacional São João.

Agora, no Porto Centro, o filme é sempre o mesmo e vê-se também da rua: os janelões tomam o lugar dos ecrãs e são às dezenas os espectadores que param, mão em concha e nariz encostado ao vidro, para espiar a acção e cenário interiores. O hotel, erguido das cinzas graças a um projecto de Nelson de Almeida e Rosário Rodrigues da FA Arquitectos, passou a ser o próprio filme. "Todos os dias há gente de cara colada ao vidro e entram dezenas de pessoas só para espiar." "As pessoas acarinham muito o edifício e a sua recuperação", garante a responsável, porque "o miolo era uma ruína" (o edifício estava há mais de duas décadas parado em decadência, gorado um plano do grupo Solverde para criar uma sala de bingo), "até um perigo para a saúde pública".

Do velho Águia, fica o espírito e alguns objectos, estando a ser recuperadas imagens de outros tempos. Vê-se um suporte de partitura da antiga sala (que agora documenta a vida do edifício, "para as pessoas perceberem que estão num edifício com história"), um microfone antigo, uma bobina de filme e, entre outros achados, uma placa em homenagem à actriz Ângela Pinto que, nos anos 30, foi protagonista de um Hamlet na sala. 

Logo à entrada do hotel, há, de facto, uma imponência teatral: passada a entrada, uma escadaria permite descer alguns degraus para o lobby e zona de bar ou subir para um mezanino que funciona como sala de estar. De ambos, admira-se a vida da rua e a igreja. Melhor ainda é ficar num dos quartos com janela - ou mesmo grande varanda, no caso do 1.º piso - virados para a praça. Não é todos os dias que se dorme numa fachada de filme.


O chique económico

No Porto Centro, "juntamos o sofisticado com o económico", resume Gisela, enquanto passeamos pelo edifício, cuja dimensão surpreende, já que o corpo não é visível do exterior: numa forma de L, reparte-se por 125 quartos, entre duplos e familiares, e ainda guarda um novo e especial espaço, antes ocupado pelo cinema e agora "libertado": um quadrado de boas dimensões com um jardim-esplanada, complemento do bar do hotel, um achado no centro da cidade.

O económico aqui, contas feitas, não é em vão: o preço é de 39,99 euros por um quarto duplo (mais cerca de 20 ou 30 conforme sejam quartos de quatro ou seis pessoas) - "e é um preço contínuo", faz questão de sublinhar a responsável, "não é um "desde"". "O preço que anunciamos para um quarto é esse mesmo".

A este valor só acrescem custos opcionais de pequeno-almoço ou estacionamento. "Somos um hotel budget", sublinha, para contrapor com a moda dos low cost/baixo custo. "Aqui não há serviços adicionais. Até a Internet sem fios é gratuita" (e, sublinhe-se, não faltam por aí muitos hotéis mais estrelados a cobrá-la a peso de ouro). O preço é promocional mas, garantem, "não andará muito longe destes valores". O mote da cadeia B&B - que se estreia em Portugal, através de um franchising gerido pelo grupo Endutex -, é "superar as expectativas que o cliente de um duas estrelas possa ter", diz-nos. Isto é, "nada de muitos luxos", como se espera, mas sempre com um "ambiente confortável com design e qualidade a um preço económico".

"A cadeia usa uma frase que resume bem o conceito", cita a subdirectora: "Não temos chão de mármore mas temos Net gratuita". "Cortamos em coisas supérfluas" mas "fazemos questão de ter detalhes de extrema qualidade, seja o colchão ou a almofada, que podem ser de qualidade similar a um quatro ou cinco estrelas, seja um bom pequeno-almoço". "Digamos que podemos não ter candeeiros banhados a ouro ou que poupamos no papel de parede. Mantemos tudo simples para que o preço não reflicta questões supérfluas". 

E o que é isso do económico e chique? Fácil: está no todo e nos detalhes, tanto nos referidos colchão ou almofada (que, diga-se, passaram no teste com distinção), na rede gratuita de Internet e no pequeno-almoço avantajado (frutas frescas, iogurte, leite, queijos, etc. - para outros desejos e momentos, há máquinas de venda automática à disposição), como na elegância global dos espaços - funcionais, arejados, corridos a madeira e cores neutras - ou na insonorização à prova de qualquer ruído.

Não tendo restaurante, para além dos básicos do bar de serviço, este primeiro B&B encontrou uma solução, diga-se, igualmente "chique": pediu ao chef Camilo Jaña, do conceituado restaurante portuense Cafeína, que criasse menus rápidos para refeições ligeiras - o resultado são wraps, sanduíches enroladas em massa fininha, acompanhadas de salada: rápidas a chegar à mesa e prontas a comer a qualquer momento, até porque estão disponíveis 24 horas por dia, tal como a recepção e o serviço de bar. 

Num hotel que se pretende "eficiente" e "racional", não estão planeados grandes eventos públicos ou, claro, cinema-cinema. Agora, cada um faz o seu próprio filme. Como o daquele fã que venceu, no Facebook do hotel, um passatempo em que se oferecia uma estada para dois a quem melhor explicasse por que merecia ganhar o prémio. Foi simples, resume-nos Gisela Barros: "Contou-nos como foi no Águia D' Ouro que os pais começaram a namorar...". Está visto que ainda haverá por aqui muitas histórias de amor. 

 

Jardim urbano
É um quadrado de jardim interior que, em dias mais calorosos, só pode vir a ter muitos fãs. Protegido de todos os lados pelas paredes do hotel, de outro edifício e um muro de pedra antigo, inclui uma parte ajardinada complementada com esplanada, em frente ao espaço de bar. Ideal, mesmo que não se seja cliente, para um café zen, um copo de vinho ao fim da tarde. Ou um copo pela noite dentro, até porque a iluminação, que "nasce da relva", cria um efeito muito especial. Ou mesmo para uma refeição rápida com as sanduíches enroladas produzidas pelo restaurante Cafeína: há três menus de "wraps" (de legumes, salmão fumado ou pastrami) acompanhadas de salada.


Quartos e serviços
Há 125 quartos, entre individuais/duplos, twin (com duas camas individuais) ou familiares (para quatro ou seis pessoas, com duas camas de casal e sofá-cama). Incluem casa de banho com chuveiro, ecrã plasma com 70 canais, área de trabalho, Internet sem fios grátis, ar condicionado e insonorização. Os familiares podem incluir varanda. As vistas podem ser para a rua, para as traseiras ou jardim (nada como ficar mesmo na fachada). Uma boa ideia em cada piso: quartos duplos com átrio único, não comunicantes mas que permitem fechar a porta de entrada para o átrio e ficar como que num apartamento isolado. Os preços de lançamento: 39,90€ por um duplo, 59,85€ para um quarto para quatro pessoas ou 69€ para seis. O pequeno-almoço bufett custa 5.95€. Se quiser lugar de estacionamento são mais 7€. O bar é aberto a todos (horário oficial: 11h às 00h).


Planos B&B

O grupo B&B, propriedade do fundo de investimento Carlyle, é a terceira maior cadeia de hotéis económicos em França, com mais de duas centenas de unidades no país. Está presente na Alemanha (cerca de 40 e muitos mais em plano), Itália (seis mais dois a abrir) e Polónia (para já, um). Em Portugal, gerido pelo grupo Endutex, que assegura o investimento, após a estreia de águia no Porto (um projecto orçado em cerca de 7 milhões de euros) devem seguir-se Évora (também em local central e histórico, onde foi a primeira praça de touros eborense) e Oeiras. Já há outras localizações previstas: mais dois na área de Lisboa, outro em Matosinhos e ainda outro em Coimbra (numa antiga fábrica têxtil em ruínas, na baixa da cidade).


A Fugas esteve alojada a convite do B&B Porto Centro

Nome
Hotel B&B Porto Centro
Local
Porto, Santo Ildefonso, Praça da Batalha, 32
Telefone
220407000
Website
http://www.bbhotels.pt
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