A acção começa logo na fachada, preservada, deste antes cinema Águia D'Ouro. Façamos dos olhos a câmara: não há forma de evitar a admiração ao percorrer a frontaria erigida por volta de 1930. Do cinema, só resta esta sólida renda, passada a janelas e janelões e um grande varandim para o largo. Por trás deste rosto, é tudo, mas tudo mesmo, novo. Até os retratos dos actores e actrizes de Hollywood que decoram os diferentes espaços. É que pouco se salvou dos destroços do velho cinema da Invicta, na Batalha, abandonado, nos finais da década de 80, a uma ruína que embaraçava a memória.
Agora, onde durante muitos anos houve sonhos de celulóide e antes grandes tertúlias intelectuais, ergue-se um edifício cujo volume nem se adivinha da rua. É a fachada trabalhada que impressiona de imediato mas é quando se passeia pelos cinco pisos do novíssimo hotel que a surpresa é maior. Particularmente quando se fica a saber que, além do nosso, a fachada de 17 metros protege mais 124 quartos.
Aberto em Outubro - e com inauguração oficial a 16 de Dezembro, é um hotel de duas estrelas, económico - ou "econo-chic", há-de resumir-nos a subdirectora da unidade, Gisela Barros, o Porto Centro, literalmente, já que tem todo o centro histórico a dois passos - , marca a estreia em Portugal da cadeia B&B, uma insígnia de hotelaria budget, forte em França e em expansão pela Europa. Quis o destino que a estreia fosse nesta localização iconográfica da história portuense.
Pelo nosso quarto, é certo, só há cinema via ecrã de plasma e um vislumbre de outros tempos através de um romântico retrato em que Robert Redford abraça Jane Fonda. Mas, até ao final feliz dos sonhos, já tínhamos passado por Bogart, Marilyn, Audrey Hepburn, Clark Gable ou Grace Kelly - "andam" todos a actuar pelos espaços e pelos corredores sóbrios, longos, de cores neutras, em que as áreas dos quartos são protegidas com portas que fazem lembrar as salas de cinema.
"A decoração serve para reforçar essa memória", diz-nos Gisela Barros. "É um edifício emotivo para muita gente." É natural, foram tantos os filmes que tanta geração de portuenses por aqui viu - até o primeiro filme sonoro (por sinal, o All that Jazz). Curiosamente, o edifício do Águia, de 1897, começou por ter sina de hospedaria, tendo passado a café com teatro em 1839. Não um café qualquer: foi um dos grandes dos finais do século XIX, com tertúlias e figuras imponentes como clientes, de Camilo a Antero de Quental e referências na literatura, como n" Uma Família Inglesa de Júlio Diniz.
"É como se tivéssemos devolvido o sítio à sua vocação", diz-nos Gisela. Só no virar do século a sala passaria a cineteatro e a emblemática fachada que se conhece hoje, preservada, só mostrou a sua real cara nos anos 30, quando o edifício cresceu e passou a ocupar dois lotes, tendo sido necessária nova frontaria que unificasse o prédio. E, 80 anos depois, é esta cara como nova (a que só falta o velho símbolo de Cine Águia, perdido) que atrai os olhares de todos os que passam, concorrendo (pela novidade decerto) com outra construção de fachada divina, a Igreja de Santo Ildefonso, no largo logo ali à frente, coberta de azulejos de Jorge Colaço - além de ser vizinho de outro cinema abandonado, o Batalha, ou ter logo ali o Teatro Nacional São João.
- Nome
- Hotel B&B Porto Centro
- Local
- Porto, Santo Ildefonso, Praça da Batalha, 32
- Telefone
- 220407000
- Website
- http://www.bbhotels.pt