Fugas - hotéis

  • Paulo Pimenta
  • Paulo Pimenta
  • Paulo Pimenta
  • Paulo Pimenta
  • Imagem geral do hotel
    Imagem geral do hotel DR/Eurostars

No Douro, um hotel que é uma paisagem

Por Andreia Marques Pereira ,

É em socalco à beira-rio, com marina aos pés e o Douro por toda a parte. Entre transparências e xisto, sobem-se e descem-se os degraus do recém-inaugurado Hotel Eurostars Rio Douro, antes conhecido como o premiado projecto Douro 41. Um descanso, entre o spa e um quarto em que a parede é cenário.

Já tínhamos visto fotografias exteriores mas, há que confessá-lo, in situ não o vimos desses ângulos. É necessária distância física para poder apreender o conjunto arquitectónico do novo Eurostars Rio Douro Hotel & Spa e este, aninhado num vale aberto para o rio Douro, só permite essa distância com os pés na água. E, embora não faltem meios que transportem os hóspedes acima e abaixo do Douro, a nós faltou o tempo para o fazermos.

Nada que nos tenha perturbado, porque se não o vimos como o postal que é, disposto em socalcos de paredes e muros de xisto ou transparentes, vivemo-lo. E viver este hotel é estar permanentemente de olhos postos no rio, entre duas curvas a fazerem-se e desfazerem-se entre os montes cobertos de vegetação a lamber as águas. Neste Inverno, a fingir Primavera de finais de Fevereiro, o rio é um espelho de tranquilidade. A mesma que preenche os espaços em branco - e são muitos, deste hotel-oásis às portas do Porto mas a um universo de distância.

"Ainda ontem recebemos um telefonema de uma pessoa conhecida do Porto que queria descansar. Chegou às onze da noite e hoje já andou pelo spa", conta Cláudia Rebelo, directora do hotel que vê como "seu" - afinal, foi um projecto que embalou desde o início e isso obrigou-a a meter as mãos na massa. Agora que finalmente abriu, a 16 de Fevereiro, há um orgulho indisfarçável de quem conhece profundamente as suas entranhas: desde o funcionamento da casa de máquinas do spa ao porquê da garrafeira transparente do restaurante, uma ideia sua. "É o segundo hotel cuja abertura faço", conta. "É como um filho, é o projecto da minha vida."

Um projecto construído degrau a degrau - literal e figurativamente. O edifício, da autoria do arquitecto João Pedro Serôdio (vencedor do prémio Villégiature 2011 para o melhor projecto de arquitectura no sector hoteleiro europeu), presta tributo aos socalcos que são a imagem de marca da paisagem duriense e, por isso, evolui em escada, sendo que aqui os vinhedos são substituídos por jardins, ainda incipientes, de aromáticas e plantas autóctones. E não só presta tributo como se integra organicamente na paisagem, quase como que camuflado, embora o seu perfil seja irredutivelmente contemporâneo, misturando xisto e vidro em formas geométricas e, a momentos, com um piscar de olho óbvio à arquitectura típica destas paragens.

Mas já lá iremos. É que entre o projecto e a abertura do hotel outros degraus tiveram de ser ultrapassados e isso levou quatro anos de avanços e paragens. E quando o fim já estava à vista, eis que o hotel, que teve o seu embrião e desenvolvimento no Grupo Lágrimas, passa para as mãos da espanhola Eurostars. Mudou a gestão, mudaram os protocolos - e Pedro Neves, director do Eurostars das Artes no Porto tem supervisionado tudo, em vaivém constante entre ambos os hotéis - mas manteve-se o conceito.

E este revela uma certa "obsessão" pela numerologia. Afinal, falam-nos de coisas como um "número místico". Que, aliás, nem sequer foi escolhido, impôs-se como uma evidência. É que o 41 (este é o número mágico neste cantinho de Castelo de Paiva à beira-Douro plantado) é o quilómetro da estrada nacional 222 e o quilómetro do rio (contando da sua foz) onde está implantado o hotel; é o meridiano que atravessa esta zona e é o número de quartos inicialmente previstos. Por isso, na sua pré-vida, o hotel chamava-se Douro 41 - e se o nome se foi, em parte, já o mote não foi escamoteado.

Por exemplo, nós ficamos no quarto 20, virado ao rio, e isso é quase como dizer que dormimos no quilómetro 20 desse percurso: a fotógrafa Inês D´Orey recebeu a incumbência de fotografar todos os quilómetros e as imagens estão em cada um dos quartos. Aqui abriu-se uma excepção, acabaram por não ser 41 mas sim 42 com a particularidade - a numerologia, mais uma vez - de não existir o número 13 (entre eles, quatro suites, Ribeira - das Fontainhas, uma das frentes do hotel, mas também alusão à portuense, "conhecida internacionalmente" - Douro, Paiva e Arda, para traçar uma geografia rápida da zona). Em compensação existe o zero e, já se percebeu, uma subversão total das convenções hoteleiras, com a adopção da numeração contínua ao invés dos três dígitos com o primeiro a indicar o piso.


As obras de arte

São quatro os pisos deste hotel, onde a calma se entranha mal saímos do carro. Temos o rio à frente, em redor eucaliptais trepam os montes, há casas que aí espreitam e aglomerados maiores ao longo do rio. Em manhãs de sol descarado, tudo isto se replica na água; nós apanhámos uma manhã de linhas de névoa a esbaterem contornos, a seguir a uma noite onde as linhas de sombra eram interrompidas por luzes amarelas, aqui e além, com as suas réplicas impressionistas a tremeluzirem na água.

O edifício da recepção é de xisto integral, coroado de lousa e irrepreensivelmente moderno: fecha-se a porta e ficam no exterior os barulhos que, por ser aqui, talvez, quase soam a música, uma serra ao longe, um carro de quando em vez, os pássaros constantes e, por vezes, as malas a rodarem pelo empedrado. Da esplanada do bar que, em piso menos 1 relativamente à recepção, é quase de apoio à marina, levantam-se convivas para um passeio, e momentos depois um dos barcos do hotel sai da marina - há dois barcos de passeios, um semi-rígido para esqui aquático, motas de água e um barco que servirá para a pesca, quando esse programa for implantado (guardadas estão ainda as canoas e as gaivotas).

Estamos na parte "antiga" do hotel e tal é sinalizado pelo tecto de madeira pintada de branco e pelas janelas mais estreitas (rasgadas de cima a baixo) em homenagem à arquitectura tradicional. Neste local erguia-se um dos dois edifícios da quinta que aqui existia antes e da qual se herdaram lagares e mós, hoje em exibição no caminho junto ao restaurante - "era importante não descontextualizar". Essa pode ser encarada como uma vertente da preocupação de enquadramento em termos ambientais que nunca largou os responsáveis. Por exemplo, a cobertura vegetal dos socalcos ajuda a diminuir as variações de temperatura no hotel, logo leva a uma poupança energética; e o mobiliário é uma espécie de reciclagem.

As peças são, em grande maioria, originais e representativas dos vários movimentos de design do século XX, e vêm, sobretudo, do Norte e do Centro da Europa. "Cada peça foi escolhida minuciosamente para cada espaço", conta Cláudia Rebelo. Os sofás de pele do bar, por exemplo: alguns foram novamente estofados, outros ainda mostram as marcas do tempo, polidas, claro; as mesas têm mais do que uma função - a mesa de bilhar que vemos mais tarde é uma antiga mesa de competição inglesa. "Reciclamos as peças e demos-lhes vida neste espaço", considera Cláudia, sublinhando que algumas delas estão em museus.

São obras de arte funcionais, chamemos-lhes assim, as que fazem a decoração ("à qual faltam pormenores", sublinham os responsáveis) do hotel que até dá ares de museu de arte moderna. Serralves está na nossa cabeça quando percorremos as rampas que ligam o rés-do-chão ao primeiro andar e vemos a sinalética na parede: para trás ficou a recepção, o bar e a sala de televisão, tudo em espaço amplo com a decoração minimalista que é quem mais ordena entre estas paredes imaculadamente brancas - o único elemento (propositadamente) dissonante nessa área é um moderno sofá em vários tons de azul que é como uma evocação de ondas e se desdobra em curvas, "como as do rio".

Nos primeiro e segundo andares andamos quase sempre entre os espaços comuns hotel (spa, "sala" de bilhar, sala multiusos que hoje é de estar, salas de reuniões, biblioteca, restaurante), com todos os olhares a convergirem inevitavelmente para o rio, em transparências constantes, recantos inesperados para desfrutar mais pausadamente da paisagem e pormenores inesperados como uma pequena ponte envidraçada a unir dois blocos. As transparências entram nos quartos, ou não tivessem estes uma parede inteiramente de vidro, com "varanda" encaixada a um canto. O nosso quarto - simples com vista de rio, no quarto piso - tem a cama voltada para fora e um sofá aos seus pés para visão mais panorâmica (na cabeceira fica a secretária).

Se percorremos os socalcos deste hotel por dentro, também o podemos fazer por fora, entre patamares de jardins (com carqueja, rosmaninho, menta...), muros de xisto e paredes iguais que nos fazem pensar que estamos a percorrer os caminhos de uma aldeia. Em frente ao restaurante, todo ele luz e com uma cozinha regional e internacional (recomendamos o entrecôte arouquês), e estamos no piso dois, um terraço recebe esplanada e lounge de confortáveis sofás - e a dois passos a piscina, vedada, promete delícias estivais. É uma infinity pool que se despenha na paisagem e nos transporta para dentro dela. E essa virtude não é de somenos.

Nome
Hotel Eurostars Rio Douro
Local
Castelo de Paiva, Raiva, EN 222 km 41 - Castelo de Paiva
Telefone
255690160
Website
http://www.hoteleurostarsriodouro.com
--%>