Chegámos ao hotel já à hora de ir para a cama, mas a vista do quarto é mais espectacular do que imaginávamos e é difícil fechar as cortinas. Parece que estamos numa gravura de Piranesi, uma espécie de vista nocturna do rio Tejo com uma perspectiva que só ele imaginamos capaz de desenhar. Vemos o frontão triangular dos Paços do Concelho de esguelha e a cúpula com o lanternim em vidro está mesmo ali à frente. Também não é normal vermos o Arco do Triunfo da Rua Augusta deste ângulo de 45 graus, com a escultura da Glória de costas. Só a Sé de Lisboa está direitinha com a fachada virada para nós e mais acima, do lado esquerdo, destaca-se o Castelo de São Jorge. Todos os monumentos com as suas pedras brancas iluminadas sobressaem à noite e só rivalizam com as luzes do Barreiro, Seixal ou Montijo na outra banda.
Espreitar a vista foi a razão para dormirmos fora, a menos de um minuto de casa, num normalíssimo dia de semana. "Como é que nos descobriu?" - perguntava Gonçalo Soeiro, há menos de meia hora, quando entrámos no Hotel Chiado 16, no Largo da Academia Nacional das Belas-Artes. Ele, que faz o turno da noite na portaria, sabe que o hotel é mais ou menos invisível da rua. Nós fizemos como aqueles que passam por este largo no Chiado, já no fim da Rua Ivens, que vêem, desde o final do Verão, uma montra enfeitada com uma orquídea e não resistem a colar o nariz ao vidro para perceber o que se passa lá dentro. Gonçalo já se habituou a dizer adeus, porque são muitos os que não percebem que se trata de um hotel, uma vez que ainda não há as autorizações necessárias para fazer uma entrada assinalada como deve ser.
A história do hotel contada por Heleen Uitenbroek Rosa da Silva, 42 anos, começa em 2001, quando comprou a casa ao lado para arrendar. "Como as leis de arrendamento ainda são um bocadinho complicadas, surgiu a ideia de fazer como em Inglaterra com os serviced apartments, que não tem tradução em português." Suites de 85 metros quadrados mobiladas para pessoas que querem mais do que um hotel mas os mesmos serviços. "A ideia é home away from home", explica Heleen. Acabaram por dar mais acompanhamento do que isso e fazer o marketing à volta da ideia de hotel de charme: "Arranjar tours, restaurantes. Fazer as férias à medida das pessoas, mesmo personalizado. Resulta muito bem."
Só com quatro suites, era fácil estarem cheios. Daí os novos quartos, entre os quais está aquele onde acabámos de dormir. A alvorada vale tanto como a vista nocturna: o sol aparece por volta das 7h20, uma bola cor-de-laranja que vemos subir sem nos levantarmos da cama e que faz o Mar da Palha parecer exactamente aquilo que o seu nome evoca, um mar feito de palha.
Estas vistas maravilhosas levaram Heleen a fazer uma ligeira alteração no conceito do Chiado 16: "Notámos que tínhamos pessoas que ficavam só no fim-de-semana, jovens que já não precisavam deste apoio todo, mas que queriam vista."
A extensão que abriu em Setembro tem, assim, quartos mais pequenos, mas com mais vista. O pequeno-almoço é agora servido no novo espaço diante da montra que dá para o largo, de onde vemos chegar os alunos da Faculdade de Belas-Artes, que é do outro lado da rua, com as suas grandes pastas de desenhos. É onde estamos a conversar com Heleen, uma holandesa que passou a infância na Nova Zelândia e aterrou em Lisboa aos 18 anos na semana do grande incêndio do Chiado, em 1988. Veio viver com os pais para Portugal e a primeira notícia foi essa do centro histórico a arder.
Só desenterrámos as memórias do incêndio depois de recuarmos até à Madeira dos anos 50 e a uma bisavó mal-encarada que mandou o avô de Heleen de castigo trabalhar como porteiro num cruzeiro. Foi esse avô, que tinha jurado voltar à Madeira em melhores condições do que quando era um simples porteiro, que levou o pai de Heleen, com 11 anos, de férias ao Funchal. Ficaram no Reid"s, o famoso hotel de luxo onde Churchill também dormiu: "O meu pai achou aquilo fora do mundo. Vinha da Holanda, onde é tudo plano. Em Roterdão, sobretudo no pós-guerra, nada era como aquele paraíso que era a Madeira na altura. Ficou com aqueles sonhos na cabeça." Quando teve que voltar para a Europa por razões familiares, depois de 11 anos na Nova Zelândia, recusou-se a regressar ao clima holandês. "Fizeram uma viagem por Espanha e não gostaram nada. Entraram em Portugal por Madrid, pela A6, e fizeram Lisboa, Estoril, Cascais. Apaixonaram-se por Cascais. Compraram casa e mandaram vir a família. Ainda vivem cá, mas agora estão no Alentejo já reformados."
Foi na casa do Alentejo, entre Viana do Alentejo e o Alvito, mesmo na fronteira entre o Alto e o Baixo Alentejo, que começou no negócio da hotelaria. "Recebi as pessoas, nunca tinha feito, mas correu muito bem. Ainda recebo lá no mês de Agosto. Mas agora é um pouco mais complicado com isto aqui."
Se os quartos novos estão arranjados mais ou menos com o que se espera encontrar num hotel de charme, já as suites têm um gosto a casa de família. Há um baú feito de uma varanda antiga indiana de Macau, comprado por Heleen num antiquário na Aldeia de Juzo, ao pé de Cascais, mas também uma grande fotografia da parte de baixo de um eléctrico exposta numa casa de banho. Quem quer comer nas suites tem uma cozinha bastante completa onde dá para fazer petiscos ou pode pedir take away do Restaurante Tágide, porta com porta com o Chiado 16. "Temos serviço de quarto com o Tágide. Trabalhamos muito juntos e mandamos muita gente para lá. Acaba por ser mais ou menos uma unidade", diz a dona do hotel.
Heleen consegue apanhar muitos hóspedes ingleses e americanos, porque a sua cultura mãe é anglo-saxónica. Mas também têm muitos australianos, cada vez mais suíços e italianos. Sabemos que Paul Krugman, o Nobel da Economia que veio a Lisboa receber o doutoramento honoris causa, passou pelo Chiado 16 e foi aí que deu algumas entrevistas. Perdêmo-lo por poucos dias ao pequeno-almoço...
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Preços e reservas
Tem quatro suites e três quartos duplos. As suites vão de 220 euros a 285 euros conforme a época. Os quartos de 156 euros a 190 euros.
Pequeno-almoço
15 euros por pessoa e gratuito para crianças com menos de 12 anos.
Estacionamento
25 euros por carro/noite.
O que fazer
É um bom sítio para os amantes de ópera ficarem quando vão ao Teatro Nacional de São Carlos. O programa também pode ser mais simples: descer até ao Terreiro do Paço ou subir até ao Bairro Alto. Ou ficar mesmo a passear pelo Chiado.
A Fugas ficou alojada a convite do Chiado 16
- Nome
- Chiado 16
- Local
- Lisboa, Mercês, Largo da Academia Nacional das Belas Artes, nº 16
- Telefone
- 213941616
- Website
- http://www.chiado16.com