Andamos à volta da meia-noite no Cais do Sodré. Agitamos levemente o mojito, enriquecido com umas folhas de hortelã acabadas de colher nas mesas-horta a dois passos. Estamos sentados ao pequeno balcão de bar, mesmo ao lado de um grupo de jovens que, em várias línguas, fazem lembrar embaixadores juniores das Nações Unidas, mas que aqui só cantam e tentam adivinhar canções. Com os olhos no Tejo, levanta-se do chão um decorativo campo de girassóis, erguem-se mesas em que se cultivam vegetais variados, ali mais à frente o luar incide numa "praia" - uma plataforma com colmos prontos para a sombra e umas escadas que deveriam levar a uma piscina, mas que ainda é só um espaço vazio com futuro.
Todo um cenário que nada teria de incomum, não fosse tudo isto se passar no topo da estação de comboios do Cais do Sodré e praticamente por cima do quarto onde vamos passar a noite. Senhores passageiros, acabamos de embarcar no recente (e segundo) hostel ferroviário de Lisboa, o Beach Destination Hostel.
Localizado no piso superior da octogenária estação, o hostel traz um ar de juventude ao edifício, adaptando-se a ele, decorando-o de alto a baixo com itens viajantes e viajados, e aproveitando espaços que ficaram fora de uso. "Os quartos são antigos gabinetes, não alterámos nada da estrutura, até mantivemos as portas ou os números destas", explica-nos João Teixeira, da Observar o Futuro, a empresa que já tinha conquistado espaço na estação do Rossio para um hostel, que gere outro em Alfama e que tem mais alguns na manga, incluindo um na estação portuense São Bento.
Este é o mais estival dos hostels urbanos, ou não tivesse Beach (praia) como nome próprio: "O Cais do Sodré era precisamente uma das praias da cidade. Perdeu-se mas, entre a estação de comboios e a de barcos, aqui continua a ser uma saída para as praias", lembra Teixeira. Outra mais-valia: deve ser das unidades hoteleiras com mais alternativas de transporte à porta - a centímetros, há comboio, metro, barcos, paragem de táxis, eléctrico e autocarros (incluindo o Aerobus).
Caminhamos pelo longo corredor que percorre quase toda uma lateral da estação - e que até cruza, por cima, o belíssimo e ornamentado antigo átrio principal em esplendor Art Déco. Os quartos, cerca de meia centena, sucedem-se, entre dormitórios (para quatro ou seis pessoas e onde se pode dormir por menos de 20 euros por noite) e privados (duplos ou para uso individual, com ou sem casa de banho, entre cerca de 40€ a 60€ por noite). Os dormitórios destacam-se logo pelos seus originais beliches, de design decorativo único: cada um parece uma reinterpretação das célebres casas-gruta da Capadócia turca. "Tal e qual!", confirma João Teixeira, que, sublinhe-se, sendo arquitecto de profissão, aplica as suas artes em cada hostel que toca.
Já o nosso alojamento, noblesse oblige, é privado e com WC incluído. Nada que surpreenda, já que hoje em dia os hostels passaram a unir várias opções de alojamento, conforme as carteiras. Actualmente, "o backpacker não é o típico jovem sem dinheiro, há os que podem pagar e querem um quarto privado", explica-nos Dangolia Rosickaite, directora financeira dos hostels Destination.
Porta do quarto fechada, poderíamos estar em qualquer hotel: quarto e cama de tamanhos avantajados (a fazer inveja a muita unidade hoteleira estrelada), decoração sóbria - e, tal como pelo resto do hostel, com uma mistura de mobiliário vintage e contemporâneo - , casa de banho eficiente, ar condicionado, janela (no caso) com vista para corredor da estação de comboios. O que não há é mimos da hotelaria tradicional: não há TV, toalhas a rodos ou kits de higiene. Por outro lado, há detalhes únicos: a decorar uma escrivaninha, uma velha máquina de escrever. E que, para particular alegria deste jornalista-cobaia, funciona e tudo. Entre prováveis e esquecidos sonhos dos tempos em que dactilografávamos a notícia do dia seguinte, a manhã chega com uma certeza: não há ruído de comboio que aqui chegue para nos despertar.
Pelo hostel, já o mundo se encontra. Seguindo o corredor até à meca do pequeno-almoço, cruzam-se bons dias, good mornings, guten morgens. E, neste hostel, temos direito a um despertar bem alimentado. Na cozinha comunitária, já se aprumam cereais, sumos, leites e café, pães, manteigas e geleias. E, muito especialmente, sente-se o cheirinho a panquecas a serem feitas à nossa frente. É só pedir e aparecem no prato, prontas a serem devoradas na sala contígua, onde uma imponente mesa feita de madeira em forma circular irregular desce do tecto e une todos os comensais.
Além desta sala de refeições, da sala de estar e do terraço, o hostel aposta na contínua socialização dos seus hóspedes também com diferentes propostas de actividades e animação colectivas: seja ioga, barbecues, festas, noites de fado, workshops ou passeios. O resultado é que muita gente chega solitária e acaba por passar as férias em grupo de amigos. "Às vezes até pensamos que as pessoas já se conheciam antes de chegarem" - diz-nos Raquel Santos, assistente do hostel - "mas muitas vezes são pessoas que chegam sozinhas e que fazem logo amigos". "Os que ficam mais tempo acabam por formar quase uma família", sorri.
E, aqui, a "família" pode até juntar-se na "praia" ou na "agricultura", graças ao imenso terraço sobre a estação, que cobre o hostel com chave de ouro e é decorado com dezenas e dezenas de girassóis artificiais que parecem nascer do chão-telhado. Para já, o terraço oferece bar, mesas comunitárias, lounge vertical para banhos de sol. Se tudo correr bem, há-de também ter piscina, garante João Teixeira. A um canto, outro mimo, uma horta urbana, composta por várias mesas onde já estão crescidinhos vários vegetais: ele é manjericão, hortelã, pimento laranja, tomilho limão, malagueta, etc., etc. Até os hóspedes se podem dedicar à arte de cultivar e usarem esta riqueza vegetal nas suas refeições.
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Preços (por pessoa): em dormitório, os preços promocionais de época baixa podem começar em 12€ (em dormitório) e subir até cerca de 20€. Quartos privados desde cerca de 22€ a 30€.
A Fugas esteve alojada a convite do Beach Destination Hostel
- Nome
- Beach Destination Hostel
- Local
- Lisboa, São Paulo, Estação de comboios do Cais do Sodré
- Telefone
- 917775524
- Website
- http://www.facebook.com/BeachDestinationHostel