Fugas - hotéis

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O Douro total

Por Inês Nadais ,

Mesmo a esta distância do esplendor das vindimas, um fim-de-semana na Quinta do Vallado é uma experiência de imersão na incomparável paisagem física e mental do Douro. Do pequeno-almoço com vista para os socalcos milimétricos das quintas vizinhas até ao Porto servido com a sobremesa no final do jantar muito lá de casa.

Erguido em 1733 numa encosta do vale do Corgo, a escassos minutos do lugar onde ele desagua no Douro, o edifício histórico da Quinta do Vallado parece marcado a caneta fluorescente no mapa infinitamente desdobrável dos socalcos que cercam o Peso da Régua.

É impossível não se ficar temporariamente hipnotizado pelo lendário amarelo ocre que é a assinatura da sua primeira proprietária, D. Antónia Adelaide Ferreira - quase 300 anos depois (a fundação é de 1716), a Quinta do Vallado continua a festejar o privilégio dessa linhagem aristocrática, mas a casa original já não domina sozinha os cerca de 70 hectares de vinha da propriedade desde a chegada dos novos volumes em xisto (a adega e o segundo corpo do hotel) projectados pelo arquitecto Francisco Vieira de Campos.

É para um deste novos volumes que nos encaminhamos à chegada à Quinta do Vallado - aberto em 2005, o hotel passou a contar, em Abril do ano passado, com oito novos quartos "do século XXI", como são conhecidos lá em casa, que se juntaram aos cinco "do século XVIII" do edifício histórico.

Aqui, nada de amarelo ocre: mais do que encostar-se a um socalco da quinta, o novo Wine Hotel parece fundir-se com ela, prolongando as discretas paredes de xisto que há vários séculos disciplinam o acidentado relevo da região. Mesmo antes de subirmos até ao coração da quinta, já estamos em pleno mundo do vinho: a recepção fica um socalco acima do parque de estacionamento, e a subida faz-se por uma daquelas escadas íngremes indissociáveis da iconografia do Douro (as bagagens volumosas viajam num elevador panorâmico, mas não as invejamos).

Dentro do hotel, a fidelidade ao Douro mantém-se - xisto no chão e nas paredes, varandas, zonas de estar e sala de refeições com vista para os socalcos, a obrigatória garrafa de vinho do Vallado em cada quarto -, mas o conforto é, digamos, escandinavo. Tanto que os sofás, as poltronas, os cadeirões e as chaises-longue das zonas comuns, escolhidos a dedo em leilões de peças de mobiliário vintage de origem nórdica, contrariam o apelo permanente da paisagem e convidam a ficar à lareira - a folhear os jornais do dia, as revistas especializadas ou um dos muitos volumes deliciosamente forrados a tecido que estão à espera de leitor na biblioteca (também há um iPad). E ainda nem sequer subimos à varanda do quarto, onde a espreguiçadeira, estrategicamente alinhada com o olival em frente, parece ter sido calibrada para a medida exacta do próximo ocupante.

É de resto essa sensação, a de que tudo é feito à sua medida, que é telepaticamente transmitida ao hóspede da Quinta do Vallado. O lema do hotel, confirma a directora Cláudia Ferreira, é "dizer que sim a tudo". Sim ao piquenique numa margem do Corgo ou no alto das vinhas, sim ao passeio de bicicleta até à Régua, sim a umas tapas tardias para um serão à lareira - e sim a uma massagem, se por acaso estamos em plena vindima e as pernas do hóspede se ressentem do entusiasmo de principiante que o levou a alinhar numas horas de pisa tradicional num dos lagares de granito (caso em que a Fugas também recomenda uma imersão na banheira ou uma aterragem directa nos lençóis, sem passar pela casa da partida: a cama é enorme e poucos segundos depois afundamo-nos literalmente nas almofadas).

A noite, de resto, é retemperadora: apesar da auto-estrada que atravessa a outra encosta, o silêncio é total e só se acorda quando o pequeno-almoço já está servido. Tal como os materiais usados no edifício, também os ingredientes da cozinha do hotel, onde tudo é feito pela Remédios, são maioritariamente locais, e se possível produzidos na própria Quinta do Vallado: o pão, os croissants e os bolos são ali cozidos diariamente, as compotas (de abóbora, de laranja...) são caseiras, a fruta é a mesma que vemos crescer no pomar a caminho da piscina, e o ramo de alecrim pousado em cima do guardanapo de pano também tem todo o ar de ter acabado de ser colhido.

Ao jantar, também não há desvios gourmet: mandam a feijoada, o cabrito em forno de lenha, o polvo à lagareiro e o bacalhau com broa, além das sopas feitas com os legumes da horta e, a abrir, o presunto de Lamego, as alheiras transmontanas e o azeite do Vallado (até o gelado de nata é feito em casa). O serviço é mais uma vez tailor-made: nem o mais novato dos enoturistas corre o risco de escolher o vinho errado para o prato principal ou para a sobremesa, já que à mínima insensatez há uma mão invisível a redireccioná-lo para o caminho do bem.

Tudo no Vallado, vinhos incluídos, é muito lá do Douro - e por isso a estadia inclui uma visita à adega (que as vindimas tornam bem mais esplendorosa) e uma prova de vinhos, de onde se sai, como um visitante espanhol que passou pelo hotel no mesmo fim-de-semana que a Fugas, a perguntar onde é que nos inscrevemos para fazer parte da família. Podia ser do vinho - mas não é o mais provável.

A Fugas esteve alojada a convite da Quinta do Vallado

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Como Ir
A partir do Porto, o melhor percurso é pela A4 até Amarante. Daí, desce-se para Mesão Frio e depois para a Régua. A Quinta do Vallado é, literalmente, ao virar da esquina quando se sai da cidade, pela EN313 (há várias placas a indicar o caminho). Atenção às curvas.

O Que Fazer
A Quinta do Vallado é um hotel vínico e portanto organiza toda a estadia à volta do vinho e da vinha: mesmo fora da época das vindimas, altura em que a equipa do hotel prepara sempre um programa especialmente intensivo, estão incluídas na estadia uma visita ao belíssimo edifício da adega, onde é possível ver como são produzidos e envelhecidos os vinhos do Vallado (actualmente, a quinta produz cerca de 750 mil garrafas por ano, mas ainda não atingiu a sua capacidade máxima), e uma prova. Estão também disponíveis bicicletas para passeios dentro e fora da quinta e utensílios de pesca para quem quiser aproximar-se do Corgo - se for caso disso, o hotel prepara um cesto com iguarias para piquenicar no alto das vinhas ou junto ao rio. A pedido dos hóspedes, também se organizam cursos de iniciação à prova e sessões de show cooking com produtos da quinta e, na época adequada, percursos de barco ou de jeep. A Quinta do Vallado está ainda inscrita numa rede informal, a Douro Boys, que estimula a circulação dos enoturistas por outras quintas seleccionadas da região: Quinta do Crasto, Quinta de Nápoles, Quinta do Vale D. Maria e Quinta do Vale Meão. Ainda no circuito vínico, é indispensável uma visita ao Museu do Douro. Fora dele, vale a pena fazer uns quilómetros extra até ao Pinhão ou, noutra direcção, até Tarouca, onde a Fugas recomenda vivamente a visita da aldeia histórica de Ucanha e os mosteiros cistercienses de São João de Tarouca e de Salzedas.

Onde Comer
A Quinta do Vallado não tem serviço à lista, mas os hóspedes são mais do que bem-vindos ao jantar (ver texto principal). Na Régua, a Fugas almoçou bem no Castas e Pratos, onde a carta de vinhos é mais ou menos avassaladora, e na Taberna do Jéréré.

Nome
Quinta do Vallado Wine Hotel
Local
Peso da Régua, Vilarinho dos Freires, Vilarinho dos Freires
Telefone
254318081
Website
http://www.publico.pt/dormir/jornal/o-douro-total-26235379
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