De uma mata nasceu um jardim com vista mar. E de um antigo palácio, um hotel que, pela primeira vez entre o grupo Vila Galé, ostenta as cinco estrelas. Com um bónus: desenha um hino à poesia e aos poetas de todos os cantos do mundo.
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Um hotel que poderia ser um museu ou um espaço museológico que se transformou num hotel. É com essa sensação que se percorrem os labirínticos corredores com que o Vila Galé Palácio dos Arcos nos recebe. Mas também com o sentido de se estar a pisar um chão pejado de história - diz-se que foi dos seus varandins que D. Manuel I e a filha D. Maria assistiram à partida das caravelas e sabe-se que foi aqui que D. Fernando, D. Luís e D. Maria Pia se divertiram com as regatas de Paço de Arcos.
É como se se estivesse num conto de fadas. Foi aliás a partir desta premissa, de que "abrimos o livro de poemas e lá dentro vem um conto de fadas", como nos refere o director da unidade, Paulo Geirinhas, que o grupo destinou a este Palácio dos Arcos o tema da poesia que invade cada recanto, cada parede, cada quarto. E, quando damos por isso, cada sonho.
A impressão de se viver dias reais será mais presente no velho edifício, cuja construção remonta aos finais do século XV. Aqui, foi mantida a personalidade do passado. Como por exemplo nos quartos, cuja decoração é distinguida pelos veludos, em tons dourados e carmins, pelas peças de mobiliário nobre e pelos pesados reposteiros (uma das suites do palácio ocupa dois pisos do edifício: no superior, sala e casa de banho; no inferior, área de repouso). Mas também pelo restaurante - o Inevitável, com o chef Francisco Ferreira, que se espraia por várias salas e que se distingue por "uma cozinha portuguesa requintada" - ou pelo bar, no qual um piano promete notas a acompanhar poemas. Em ambos, além dos veludos e das peles, pesados e brilhantes lustres de mil pecinhas de cristal encarregam-se da iluminação. Mas, a bem da verdade, só se tornam estrelas à noite. Durante o dia, todos os espaços são banhados por luz natural graças aos enormes janelões que, na zona do bar, se abrem para uma soalheira varanda que deixa o olhar passear entre a ponte 25 de Abril e o horizonte mar.
Já a pequena biblioteca revela-se uma homenagem à história quando se percorrem com o olhar os títulos das obras expostas. É aqui, através de uma trabalhada escadinha de madeira em caracol, que se descobre o melhor sítio de leitura da casa: uma salinha, segundo nos dizem, apropriada para pequenas e discretas reuniões.
É com pena, pensa-se, que se abandona esta história de condes e condessas, reis e rainhas, para ocupar um quarto na ala nova. Sobretudo depois de se atravessar um passadiço que trespassa uma pequena e delicada capela (na altura em que a Fugas lá dormiu, aguardava-se autorização de culto). Mas, chegados ao novo edifício, descobrem-se outras estrofes. Estrofes mais contemporâneas, que não se deixaram tentar por reproduzir o passado, mas que também não se mostram deslumbradas com o presente. Sobriedade poderá ser a palavra que melhor casa com o edifício projectado pelo grupo.
"Inicialmente, o projecto foi a concurso público, mas nenhum dos apresentados correspondeu às expectativas", explicou à Fugas o administrador do grupo, Jorge Rebelo de Almeida, um dos responsáveis directos pela escolha das peças que decoram todo o espaço. "Pode-se dizer que é uma espécie de hobby". Acabaria por ser o próprio, em conjunto com um arquitecto e um engenheiro do grupo, a encontrar as melhores soluções para um empreendimento que Rebelo de Almeida queria "giro e viável, não gastando muito dinheiro". E, acima de tudo, que conseguisse posicionar-se de forma a ignorar a linha de comboio, que, hoje, acompanha as suas traseiras sem que se dê por ele, e a privilegiar a relação com o mar que, mesmo com o jardim e a Marginal no meio, parece invadir os vários aposentos.
De dia, é o reflexo do sol no azul das águas que parece encher o quarto de brilhos. À noite, é o clamor das ondas, cujo sopro consegue até calar o frenético trânsito da Marginal, atravessar os recuperados jardins por onde conversam os poetas e embalar-nos até ao adormecer.
Palavras que nos beijam
"Há palavras que nos beijam", escreveu Alexandre O"Neill. E, no Vila Galé Palácio dos Arcos, as palavras beijam-nos o beijo das boas noites. Assim que se fecham as janelas do amplo e sóbrio aposento na ala moderna, no qual a cama tamanho XL discute o protagonismo com os sofás que compõem uma pequena área de estar, com a mesa para trabalho ou refeições ou com a varanda sobre a piscina, é com poesia que se adormece no mais profundo silêncio. O frenesim lá fora não cessa, mas nós não damos por ele. E, na manhã seguinte, é entre a poesia que se acorda.
"A poesia faz falta", justifica Rebelo de Almeida. E por todo o hotel a poesia atravessa fronteiras. Brindamos o nascer do Sol com o alfacinha Filinto Elísio, com a sua Saudade Extrema que Tem a Virtude o Prémio por companhia, para descobrirmos num breve passeio as palavras do chileno Pablo Neruda, os pensamentos do alemão Wolfgang von Goethe, ou os desassossegos de Fernando Pessoa: "Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho".
O jardim, cuidadosamente tratado ("antes era uma autêntica mata", relembra o administrador do grupo) e aberto ao público durante o dia, parece discordar de Pessoa. Uma imponente escultura, cedida pelo Parque dos Poetas, em Oeiras, reúne à mesma mesa passado e presente com as representações, em tamanho real, de Ary dos Santos, António Gedeão, Manuel Alegre, Ruy Cinatti, Fernanda de Castro, António Aleixo, Pedro Homem de Mello, Adolfo Casais Monteiro, Luís Nava, Rui Knopfli, Sebastião da Gama, Irene Lisboa, António Botto e António Maria Lucas. O conjunto é tão real que, da janela do quarto, depois de a noite cair, até parece que se move numa tertúlia sem fim que se destina a velar o sono.
E se "pelo sonho é que vamos", como escrevia o poeta (Sebastião da Gama, no caso), então, mesmo sem se ser dado a quadras ou sonetos, não é difícil adivinhar, após uma noite bem dormida, que este palácio está no bom caminho para sonhar.
A Fugas ficou alojada a convite do grupo Vila Galé