Há um pedacinho de paraíso num pequeno braço do rio. Chama-se Casas do Pousadouro e faz parte de Baião. As casas mudaram a vida do casal Jorge e Isabel e agora aparece gente de todo o lado. Vêm descansar e livrar-se dos enfados da cidade.
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Jorge Amorim e a mulher, Isabel Machado, queriam um sítio para pousar a cabeça, como diria o poeta Manuel António Pina. Muito o procuraram nas margens do Tâmega. Num sábado, um vendedor desviou-o para o Douro e apontou um silvado num pequeno braço do rio, entre as serras do Marão e de Montemuro.
A casa mal se via, tal o emaranhado de silvas. Nem dava para imaginar as rochas que agora sobressaem na sala. Comprou-a logo. Na segunda visita, já estava encantado com outra, bem maior, ainda mais rente ao espelho de água, hoje a casa principal. Demorou dois anos para identificar o proprietário.
Nem havia estrada para o semideserto lugar do Laranjal. Era preciso descer a pé por um caminho estreito. Jorge estava entusiasmado. Não era só a vontade de estar longe do seu cenário habitual, embalado pelo burburinho do rio. Era também a de arregaçar as mangas e tornar o sítio habitável.
As obras avançaram então, com vagar, sob orientação do proprietário, que não é arquitecto, nem engenheiro, é técnico oficial de contas. Pouco a pouco, o lugar transformava-se num misto de arquitectura tradicional com estética contemporânea, sem excluir comodidades modernas.
O gosto por uma terceira casa levou-o várias vezes até um homem que vive perto. Muita conversa regada a vinho verde e forrada a presunto caseiro tiveram até ele o levar ao herdeiro, que afinal não era um mas 16. E isso era só a parte superior da casa sob a qual, no Inverno, passa um fio de água. Na parte de baixo, outro proprietário. No bocado de terra ao lado, outros dez.
As viagens e escapadelas do casal valeram inspiração para as casas, mas também o desejo de partilhar o seu pedaço de paraíso, não só com os amigos, que às vezes aparecem para relaxar ou festejar, mas também com desconhecidos, que queiram descobrir o Douro que não é Património da Humanidade. Compraram a quarta casa. Sem aventura, desta vez. O dono, um piloto, estava a vendê-la.
Já lá vão 12 anos desde o dia em que um vendedor apontou um silvado e Jorge se apressou a pagar o sinal. "Mudou a minha vida", recorda, sentando-se na varanda de madeira para saborear um bacalhau azeitado com batata a murro - o Restaurante Primavera presta o serviço de catering às Casas de Pousadouro. Não deixou a sua actividade, mas não descuida detalhes. Anda "sempre com obrinhas". "Se não quero que isto morra, tenho de ter isto perfeito."
Gosta de acolher quem chega. Podendo, gosta de os levar na sua lancha Douro acima ou Douro abaixo. No meio do rio, não é o homem de fato escuro, assoberbado com a sua empresa de auditoria, é Jorge, o barqueiro, e pode parar uns minutos para brindar com bom vinho e comer uns doces regionais.
Isabel, na direcção financeira de uma empresa, vê-se muito menos nas Casas de Pousadouro. É ela quem gere as reservas. Sobram pedidos. As casas têm sido faladas em revistas e sítios na Internet. "Também é o passa-palavra", diz ele, com orgulho. "Há pessoas que já vieram quatro vezes."
Aparece gente de muito lado. Uns procuram sossego, querem livrar-se dos enfados da cidade. Outros procuram actividade ao ar livre - e não faltam no rio e nas serras próximas. Há até quem fique nas Casas de Pousadouro e daqui parta para conhecer o Douro Internacional, o Porto e Guimarães.
Jorge resume assim o conceito: "As pessoas têm autonomia total [na casa em que se encontram]." Uma empregada - Adelaide ou a mãe, Antónia - leva-lhes pequeno-almoço na véspera para que comam às horas que quiserem. Só o pão é entregue de manhã. Em cada casa, há bem equipada cozinha ou kitchenette. Na sala não falta TV LCD, rádio e DVD. Todas têm uma varanda privada. E há jardins, piscina, material para desportos aquáticos.
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Pelo caminho de Jacinto
Estava nas Casas de Pousadouro, o livro. Estava fora do olhar, como se se resguardasse. Queria relê-lo ali, naquela serra virada para o Douro, por mais cliché que isso pudesse parecer. E esquecera-me de trazer o meu velho exemplar, forrado com plástico autocolante transparente.
Pedi A Cidade e as Serras à Adelaide, a rapariga que trabalha ali com a mãe, dona Antónia. Queria "ouvir" Grilo, o fiel servidor, ainda em Paris, a diagnosticar: "V. Ex.ª sofre de fartura." E "ver" Jacinto, que tem tanto do seu autor, Eça de Queirós, a redescobrir ali o gosto pelas coisas simples.
Calhava bem. Anabela, a amiga que me acompanhava, ansiava por fazer o caminho que tantas vezes imaginara Jacinto fazer com o amigo, José Fernandes. Era um caminho transformador, repetia, com um entusiasmo incontido. Três quilómetros a subir. Começava a uns minutos dali, na estação de Aregos.
Concebi malas perdidas, ninguém à espera, Jacinto a sair, à frente, numa égua, o amigo atrás, num jumento. Ninguém sabia da sua vinda. Ninguém saberia da nossa. Subiríamos de manhã. Talvez encontrássemos pensamentos de liberdade e paz, como eles perante "os vales fofos de verdura, os bosques quase sacros, os pomares cheirosos em flor, a frescura das águas cantantes, as ermidinhas branqueando nos altos, as rochas musgosas, o ar de uma doçura de paraíso, toda a majestade e toda a lindeza".
Caminhámos sobre terra, pedra, asfalto. Passámos por casas, vinhas, pinheiro-manso, zimbro, limonete, erva-dos-rapazinhos, alfazema, brincos de princesa, solano azul e outras plantas que crescem nas bermas ou até onde a vista alcança. Detivemo-nos para inspirar tudo isso e para apanhar amoras.
Não contávamos que o caminho estivesse tão mal sinalizado. O negócio do cobre levou alguém a subtrair placas. Perdidas uma vez, deparámo-nos com o cemitério de Santa Cruz do Douro, onde Eça está sepultado. Perdidas outra vez, conhecemos o gosto de alheias tangerinas e pêras-rocha.
Na quinta de Tormes, na Fundação Eça de Queirós, não cheirava a "louro frango assado no espeto", como comeu Jacinto, mas começava a última visita guiada da manhã. Ainda vimos a mesa alta onde escrevia de pé, o armário que usava para arquivar descrições, muitos dos livros trazidos de Paris. E ainda conhecemos a herdeira do escritor, Maria da Graça, sentada onde ele se recostava.
Se quiser ir, imprima o percurso que está na página da fundação. Ou peça ajuda à Associação de Desenvolvimento Regional Os Caminhos de Jacinto, que está de malas aviadas para a Estação de Aregos/Tormes.
Sai o rebanho
O dia começa com a saída do rebanho na aldeia da Aveloso, que parece perdida na serra de Montemuro. As portas dos estábulos vão sendo abertas e por elas vão saindo cabras e ovelhas, cabritos e cordeiros. A tarefa é rotativa. Naquele dia, uma pastora acompanhava o gado serra acima.
É uma aldeia típica feita de construções de pedra e as suas ruas pejadas de bosta de bovinos e caprinos. "Ainda não está muito alterada", diz Ângelo Montenegro, do Turismo Rural do Douro, uma rede informal de algumas casas de turismo rural e alguns restaurantes de Cinfães, Baião e Marco de Canaveses, que deu origem a uma série de programas extra para ocupar quem está de visita. "Com esta actividade, conseguimos de certa maneira parar as alterações, dar um ânimo aos habitantes".
O plano é seguir o trajecto definido pelos animais, parar com eles e ficar a apreciá-los, admirar a serra, fazer um piquenique. Seguimo-los só um bocado. Foge-nos o tempo. Queremos desbravar a serra - que tem monumentos megalíticos, caminhos romanos, minas do volfrâmio - e acabamos por fazer um piquenique numa aldeia desabitada - Levadas, já em Castro Daire.
O rol de actividades inclui várias caminhadas. E não podíamos deixar de fazer pelo menos uma suave pelo vale do rio Bestança. "É um dos rios menos poluídos da Europa", explicou Ângelo. Não sai de Cinfães. Nasce no concelho e some-se nele, ao misturar-se com o Douro. Ele gosta "de mostrar o silêncio e o verde à volta". Percebemo-lo quando terminamos o dia cansadas, mas felizes.
Onde comer
Restaurante O Alpendre
Rua da Quintela, Baião
Tel.: 255 551 207
Cozinha tradicional. Entre as suas especialidades, os incontornáveis anho assado posta de vitela arouquesa.
Restaurante Primavera
Rua Abel Ribeiro 8 , Baião
Tel.: 255 542 895
Cozinha tradicional com um menu no qual se destacam, além do anho assado com arroz de forno, o cabrito à serra do Marão e o bacalhau azeitado com batata a murro.
Restaurante O Meu Gatinho
Rua Capitão Salgueiro Maia, Cinfães
Tel.: 255 563 930
Cozinha tradicional a atirar para o gourmet, aposta nos pratos de bacalhau e de carne arouquesa.
A Fugas esteve alojada a convite das Casas de Pousadouro
A propriedade é composta por Casa da Rocha (T2), Casa das Ruínas (T1+1), Casa do Piloto (T3), Casa Amarela (T3). No exterior, os hóspedes podem usufruir de jardim, piscina, desportos aquáticos. Na casa há também sugestões de programas que pode fazer na região.