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Um projecto “poético e estético” com vinhas velhas e uma casa nova

Por Alexandra Prado Coelho ,

Antigo bailarino, hoje produtor e crítico de vinhos, João Afonso abriu o seu agro-turismo na Serra de São Mamede. Quer fazer de Cabeças do Reguengo um lugar de encontro para quem gosta de conversar sobre vinhos, apanhar espargos selvagens ou ficar apenas, na piscina ou à lareira, a olhar a paisagem. E ele vai fazendo vinho “como antigamente”.

E como é aqui no Inverno? “É fantástico, fantástico!” Ficamos com a impressão de que fosse qual fosse a estação do ano, à nossa pergunta João Afonso responderia com o mesmo entusiasmo. O antigo bailarino do Ballet Gulbenkian, actualmente crítico e produtor de vinhos, acaba de inaugurar o seu turismo rural em Cabeças de Reguengos, em pleno Parque Natural da Serra de São Mamede, e está encantado.

Chegamos à hora do almoço. João Afonso está na cozinha a fazer umas batatas fritas estaladiças. Está um dia bonito, e lá fora a propriedade mergulhou num sossego de pós-vindima. É Inês Afonso, a filha de João, quem assegura o funcionamento diário do agro-turismo, mas o pai também passa ali muito tempo — e passará mais à medida que os projectos que tem para este espaço se forem concretizando.

A primeira coisa de que falamos, antes mesmo de irmos conhecer melhor a casa, é de vinho. E faz sentido, já que toda esta aventura começou por causa do vinho — aqui João Afonso faz o Equinócio e o Solstício. “Esta era uma quinta com vinhas centenárias. Cheguei aqui e vi que ia ter a oportunidade de fazer um vinho de vinhas velhas”, conta. E essa era uma oportunidade que não queria perder. À sua disposição tinha 7,6 hectares, dos quais 4,5 de vinha, uma quantidade de castas misturadas, 14 brancas, 12 tintas, um potencial para fazer vinhos “como se fazia antigamente”. E ele garante que esses, “quando eram bons, eram verdadeiramente inacreditáveis”.

“Por vezes, tenho oportunidade de provar vinhos dos anos 1950, 60, 70 e 80, que são obras de arte, de uma elegância e encanto que desconfio que estes [os que se fazem hoje] não vão atingir. Hoje as pessoas estão a produzir muito e depressa”, continua, enquanto passamos à mesa para almoçar. A região em que nos encontramos “era famosa pelo vinho de talha”, e por isso vai ter também na adega duas talhas de barro.

O que João Afonso quer contrariar é a tendência que se instalou nas últimas décadas “para usarmos todos as mesmas castas, os mesmos clones”. Frisa, no entanto, que não tem nada contra os tempos modernos. “Mas tenho pena que se tenha perdido uma parte do saber antigo, e estou a tentar mudar isso.”

O regresso ao passado que está a tentar em Reguengo é, acima de tudo, um “projecto poético, estético”. Um bailarino pode deixar de dançar, mas não deixa de perseguir um ideal estético. “Para mim, estética é ter na natureza muitas espécies juntas, em vez de ter uma paisagem de monocultura. As plantas vivem em sociedade. Só o homem, com a sua ambição, e necessidade financeira, é que começou a criar estes desertos de vinha, como eu lhes chamo.”

Foi em 1993 que João Afonso abandonou a profissão de bailarino, e no ano seguinte, inspirado por um livro que a mulher lhe tinha oferecido uma década antes, Conhecer e Trabalhar o Vinho, de Emile Peynaud, arriscou lançar-se na produção. Começou com um tinto das vinhas de família, na Beira Alta, perto de Pinhel, conheceu Dirk Niepoort, e criou a marca Rogenda, que terminou em 2006.

Quando chegou ao Reguengo, em 2009, “isto era mato, mato”, e a vinha estava abandonada, conta. Recuperou-a, transplantando cepas e plantando vinha nova, bisneta da velha, optou pelo modo de produção biológico (o objectivo é implementar o biodinâmico), manteve as outras culturas, e neste momento “a única coisa que falta” quando olha lá para fora “são as ovelhas”. Está ansioso por as ver chegar.

Havia as vinhas velhas pelas quais se deixou encantar — e que vemos depois, retorcidas e quase rentes ao chão, a partir do enorme terraço da casa, com uma vista a toda a volta da propriedade, incluindo os quatro fontanários que alimentam de água as produções da quinta, agora todos recuperados. E havia uma ruína, que imediatamente a família decidiu transformar num agro-turismo.

Ponto de encontro
As obras demoraram bastante tempo, mas finalmente a casa, que tem todas as comodidades, incluindo um elevador, adega com espaçosas zonas de apoio à produção do vinho, e um lagar com um surpreendente lustre (a ideia é fazer aqui provas de vinho), ficou pronta, e este Verão o agro-turismo pôde finalmente inaugurar.

“Abrimos no dia 1 de Agosto e no dia 3 já tínhamos gente”, conta Inês. Puseram apenas a informação no site Booking, mas, recorda João, “de repente” estavam cheios, “a recusar marcações” para os oito quartos e três apartamentos de que dispõem. “Esta região tem algum turismo por causa de Marvão e Castelo de Vide”, explica a filha. “Marvão é a dois passos, Badajoz a outros dois, estamos numa zona a partir da qual podemos conhecer a região muito facilmente.”

Os quartos são grandes, muito confortáveis, com uma pequena kitchenette, e abertos para a vista da propriedade a partir de diferentes perspectivas. Olha-se pela janela e vê-se vinha, e oliveiras (são 450, o suficiente para fazer algum azeite, mas não este ano, que, para as oliveiras “foi desgraçado”), e árvores de fruto, e há-de ver-se a horta quando esta estiver pronta, e os carvalhos, e os sobreiros. “Temos aqui os três solos do país”, diz João Afonso. “Temos o granito, calcário do lado de lá e xisto a terminar. Para o vinho, isto significa que a serra pode produzir vinhos mais concentrados, se vêm do xisto, mais elegantes se vêm do calcário, e mais estruturados e com mais carácter se vêm do granito. É muito interessante.”

O Verão arrancou muito bem, com a piscina a encher-se de hóspedes, sobretudo portugueses. Agora aproxima-se o Inverno, e é por isso que fazemos a João Afonso a pergunta com que abrimos este texto. Ele não hesita: “Vai ser fantástico, as paredes da casa são de tijolo térmico, e temos recuperadores de calor.” E há mais planos, que têm tudo a ver com o Inverno. “Vamos fazer lá fora uma casa que será a nossa sala de Inverno, com lareira alentejana, tripé, panela de ferro, uma posta de bacalhau em cima da mesa, ou um bife, um copo de vinho. Queremos ter um forno de lenha.”

Um dos objectivos é transformar este espaço de Cabeças do Reguengo num ponto de encontro para quem gosta de vinho. “Lá em baixo tenho uma garrafeira onde vão estar os vinhos de que mais gosto, de Norte a Sul do país, umas 70 ou 80 referências que considero representativas do que é a mensagem portuguesa do vinho.”

Durante o dia podem dar-se passeios e conhecer melhor a serra. Desde que aqui vive, Inês já aprendeu, entre outras coisas, a podar, e descobriu que é uma tarefa que não tem nada de fácil, pelo contrário, “é uma ciência”. E na última vindima, como já tinha hóspedes, estes puderam juntar-se para uma sessão de pisa a pé. João Afonso, sublinha, no entanto, que a ideia não é pôr as pessoas a trabalhar. Quem chega aqui quer apreciar o ar da serra e descansar — os passeios, seja para ver pássaros, ou para apanhar cogumelos ou espargos selvagens, são, claro, opções para quem se sentir com mais energia. Porque à noite, está garantido, há lareira e vinho do bom.

Nome
Cabeças do Reguengo
Local
Portalegre, Reguengo, Estrada dos Moleiros, 15
Telefone
245201005
Website
http://cabecasdoreguengo.com/
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