Fugas - hotéis

Um lar familiar longe de casa

Por Mara Gonçalves ,

É uma espécie de África em pleno Alentejo, sonho da moçambicana Berny Serrão, que transferiu o seu clã para um esconderijo de Odemira. E que entretanto se abriu também ao mundo.

Para lá chegar há que passar pela Choça ou pelo Purgatório, dependendo do sentido em que viermos, e entrar pelo portão certo para não terminar no Barranco do Inferno e sim no Paraíso que, entre tanta localidade de nome bíblico, não podia ser noutro lugar senão junto ao céu alentejano, no topo velado de um monte. Subir até lá, já se antevê, tem também a sua quota-parte de penitência, medida em 300 metros de curvas e contracurvas apertadas em inclinação generosa.

Acasos geográficos que trazem outro significado ao nome da unidade hoteleira e que se emprestam a metáforas sobre o nascimento deste Paraíso Escondido. É que foram precisos 13 anos de obras, legalizações e burocracias para que a propriedade, comprada em 2001, se tornasse morada oficial de Berny Serrão e família. O novo lar, localizado na freguesia de São Teotónio, em Odemira, demorou tanto tempo a nascer que se transformou num verdadeiro projecto de vida, materializado numa unidade de turismo rural intimista e luxuosa, de apenas cinco quartos, com uma forte ligação à natureza e ao bem-estar. 

A ideia, contam, é que os hóspedes se sintam em casa longe de casa (do inglês home away from home), por isso o atendimento é personalizado e afável, a atenção a cada pormenor e ao conforto uma constante. Para Berny, moçambicana de pais portugueses, não podia ser de outra forma. “É como me sinto mais confortável, para conversar e trocar experiências. Todos temos experiências para partilhar”, defende, misturando o português e o inglês enquanto vai finalizando o jantar ao lume.

É, de facto, mais uma casa familiar do que um hotel. Ou melhor, um retiro de luxo no seio do silêncio campestre com uma família “adoptada” por uns dias: Berny Serrão, o marido Glenn Cullen, a filha Gisela, a cadela west terrier Candy e o cachorro leão da Rodésia Zulo, quando não se juntam mais familiares e amigos.

Paraíso feito de natureza

Quando chegámos já era noite cerrada e, por isso, da natureza envolvente — espinha dorsal deste Paraíso Escondido — só vislumbrámos um céu pejado de estrelas, ex-líbris do Alentejo (e ainda assim, garantiam-nos, menos estrelado do que o costume). No entanto, o que não vimos à chegada ganharia outro impacto e encanto pela manhã, quando percorremos a casa ainda adormecida e entrámos pelo frio cortante da rua, junto ao terraço da piscina.

Um sol tímido de Inverno ilumina a paisagem envolvente, que se abre em panorâmicas sobre o vale verdejante, suavemente coberto por um véu de nevoeiro. O silêncio é quase sepulcral, interrompido apenas pelos sons distantes de um despertar no campo: os chocalhos do gado vizinho, o galo que anuncia o novo dia, o correr dos carros lá ao fundo.

São oito hectares de terreno, a maioria preenchidos pelo eucaliptal que vai descendo a colina, acompanhado aqui e ali por medronheiros ou sobreiros. Os caminhos que circulam pela propriedade convidam a passeios e os bancos de madeira a pausas revigorantes ou leituras demoradas entre a natureza. Aos pés dos dois edifícios — o principal de traça alentejana, o segundo de linhas modernas — desenha-se uma albufeira que a água da chuva pintou de castanho e, entre eles, vários canteiros vão compondo a horta biológica.

É aqui que, minutos depois, Berny colhe as beterrabas para o sumo que antecede o pequeno-almoço, mais tarde as alfaces para a salada ou o chá de erva-príncipe que terminou cada serão. O conceito das refeições (o pequeno-almoço está incluído na estadia, os jantares são realizados a pedido e têm um custo extra) é precisamente farm to table (da quinta para a mesa, em português), conta-nos a anfitriã. Grande parte dos vegetais e ervas aromáticas nasce na horta da propriedade, os restantes produtos vêm de mercados e empresas da região.

É da terra que vêm também os nomes dos quartos, baptizados com diferentes tipos de chás: Lúcia-lima, Malva, Erva-príncipe, Hortelã-pimenta e Tília. São quatro duplos e uma suite, aos quais se juntarão, no futuro, dois bungalows sobre a encosta, para um maior contacto com a natureza e privacidade. Ao lado da residência da família, a pouco metros do edifício principal, situa-se o estúdio multifunções, com um quarto e sala com cozinha equipada, pensado sobretudo para a realização de diversos workshops: gastronomia, tradições regionais, pintura, ioga, meditação, pilates, coaching, provas de chá e de vinhos. No terraço foi instalado um pequeno spa com duas salas de tratamento (para já uma funcionará como escritório e recepção), onde as massagens estão a cargo de uma terapeuta tailandesa.

Uma família do mundo

No Paraíso Escondido, conforto familiar é palavra de ordem e cada pormenor contribui para esse efeito. Desde a lareira da sala que se acende ao cair da noite, do Zulo que dorme colado ao calor do crepitar da madeira, dos sabores trazidos dos países onde os proprietários viveram, das conversas que se estendem horas dentro até à decoração que, a cada passo, conta a história da família.

Os sofás e a mesa da sala, por exemplo, vieram da África do Sul, onde Berny estudou e viveu largos anos depois de sair de Moçambique e onde conheceu o marido, Glenn, um inglês nascido na Austrália. De Singapura, onde viveram depois durante três anos, chegaram os móveis da sala de jantar. E do restante Sudeste Asiático trouxeram tantas influências espirituais quanto detalhes na decoração e a inspiração para a maioria dos quadros que enfeitam as diferentes divisões, pintados por Berny. Não faltam ainda fotografias de família, o croché feito por uma tia (emoldurado sobre seda da Tailândia) ou a praia nos EUA em que Glenn a pediu em casamento.

São pormenores que contam a história desta família, que viveu nos quatro cantos do mundo para encontrar no Alentejo a sua “África roubada”, feita de paisagens a perder de vista, céus limpos, noites estreladas e verões quentes e longos. “Não me via a viver em Inglaterra [onde moravam na altura e onde Gisela nasceu], então, quando pusemos a hipótese de vir para Portugal, comecei a pensar no Alentejo por ser o mais parecido com África”, conta Berny. O objectivo era sobretudo dar à filha “uma infância mais semelhante” à que teve, feita de tranquilidade e liberdade.

Em 2001 compraram a propriedade e em 2008 vieram viver para Portugal, em Lisboa, onde Berny trabalhou como personal stylist nos programas televisivos Dr. White e Doutor, Preciso de Ajuda, ambos transmitidos pela TVI. A transformação do monte alentejano numa unidade de turismo só terminou em 2014. Pelo caminho houve ainda a possibilidade de regressarem a Singapura (Glenn ainda se divide entre o Alentejo e o trabalho no estrangeiro), mas o coração já estava naquela nova África, a casa feita num projecto para a vida, onde conforto, natureza e bem-estar caminham de mãos dadas. Ganham os hóspedes, que desde Novembro podem ficar alojados num verdadeiro Paraíso Escondido.
 

Nome
Paraíso Escondido
Local
Odemira, São Teotónio, Caixa Postal 5550A - Casa Nova da Cruz
Telefone
912470206
Website
http://www.paraisoescondido.pt/
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