Fugas - hotéis

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Eis o tesouro deste baú: um silêncio que é mesmo Douro

Por Ana Maria Henriques ,

Por muito Douro que se visite, há sempre alguma incredulidade em acordar no silêncio, com vista para um postal. O hotel de vinhos da Quinta de Casaldronho, em Lamego, é a antiga casa de família de Vítor e Ariana Martins, com vinhas velhas e um tesouro misterioso por encontrar.

Ainda vamos a meio da ponte do Peso da Régua quando, do Douro, vemos o edifício principal da Quinta de Casaldronho. As linhas rectas chamam a atenção entre os socalcos, mas as curvas pela freguesia de Valdigem — já pertencente a Lamego, na margem sul do rio — impedem um reconhecimento imediato. Passamos pelo portão do hotel como se aquela incrível propriedade nos pertencesse, seguimos o caminho de terra batida e há uma placa que nos faz parar. Tem uma máquina fotográfica desenhada e sugere uma pausa para registar o momento: nem precisamos de sair do carro, a paisagem resiste aos vidros cheios de pó. Algumas centenas de metros depois e vemos outros carros, estacionados ao pé de um relvado que parece saído de um catálogo: algumas árvores de fruto, espreguiçadeiras de madeira pintadas de branco e uma piscina que espreita num terraço prometedor. Só há silêncio.

A Quinta de Casaldronho está na família de Vítor Martins há quatro gerações, mas os registos mais antigos remontam ao século XII, quando pertenceu a Egas Moniz, tutor de D. Afonso Henriques. Vítor, de 40 anos, nasceu e viveu até há pouco tempo em Viana do Castelo e as férias sempre foram passadas no Douro, a ouvir as histórias antigas da quinta dos avós e a participar nas vindimas. Na laje onde agora está instalada uma esplanada com vista para a Régua era tradição acontecer a matança do porco, seguida de cantares e generosos repastos. Até que, em 1985, um incêndio destruiu grande parte da principal casa da quinta, poupando a capela.

Para manter as recordações de infância bem presentes, Vítor e a irmã, Ariana Martins, começaram a trabalhar na ideia de um turismo rural no início da década de 2000. Foram vários anos a aperfeiçoar o conceito, até que optaram por um wine hotel com 20 quartos (18 duplos e duas suítes). A recuperação da casa esteve a cargo do arquitecto Branco Cavaleiro, também de Viana do Castelo, que acrescentou um bloco novo “para contrastar”. O principal requisito dos donos prendia-se com o conforto dos quartos, que deveriam ter tudo o que um hotel urbano tem — excepto o ruído, claro. As indicações foram cumpridas e, na cama do quarto que nos foi atribuído, o silêncio é imperial. A banheira de tamanho acima da média é separada do quarto por um vidro fosco e, no duche, ainda se consegue espreitar a margem norte do rio. Acordar e abrir as cortinas é sinónimo de ver a paisagem do Douro que aparece em todos os postais da região.

É no terraço deste módulo moderno que encontramos a piscina, de dimensão reduzida mas com uma vista impressionante sobre as vinhas. As temperaturas não nos permitiram uma experiência completa neste aspecto, mas mesmo assim deu para perceber que esta é uma das jóias de Casaldronho. A área relvada em torno da casa principal vai sendo pontuada por algumas laranjeiras, carregadas de frutos, e a vontade é de nos deitarmos no chão a ler ou a descansar — houvesse por aqui um cão a passear e estaríamos na casa dos nossos sonhos.

2016, o ano do vinho

A quinta, cuja dimensão ronda os 20 hectares, produz “cento e tal pipas de vinho”, em “12 ou 13 hectares de terreno”, conta Vítor, números pequenos face a outras propriedades da região. O que se destina a vinho do Porto é vendido a uma exportadora e é o que resta que a família quer vinificar e lançar no mercado. Em 2016, os dois irmãos esperam estar já a comercializar, com marca própria, um ou dois tintos.

A adega, por onde se passa na chegada ao hotel, “nunca sofreu alterações, está assim desde sempre”, assegura. “Os lagares são os mesmos desde o século XIX e tenho tentado preservá-los, sem grande intervenção, para as pessoas perceberem e terem conhecimento de como se fazia antigamente vinho, sobretudo o do Porto.” Para já, a aposta da garrafeira da casa é, como não poderia deixar de ser, em vinhos do Douro — e de propriedades vizinhas. É o caso da Quinta dos Poços e da Quinta das Baldias, cujas vinhas se podem avistar da zona da piscina. “O Douro está a atingir o que de melhor se faz no mundo em termos de vinificação e procuro ter o que as pessoas não conhecem.”

Apesar de ser um hotel recente — a 100% só abriu no início do Verão de 2014 — já é procurado por quem aprecia tudo o que envolve o vinho. “Faz sentido existir um contacto com a natureza, andar no meio das vinhas, ver a paisagem. Se assim não fosse, este seria um hotel como outro qualquer”, defende. Além de visitas a quintas e de participarem nas podas e nas próprias vindimas, os hóspedes podem ainda integrar tertúlias com produtores, que Vítor gosta de organizar. A ideia é que se sentem a uma das mesas redondas do restaurante do hotel e partilhem experiências. O Dona Ilda — assim baptizado em homenagem à avó de Vítor — só funciona ao jantar, pelo menos por agora, e serve comida tradicional. Arroz de enchidos e milhos são dois dos pratos que o dono se recorda de comer, ali mesmo na quinta, quando era criança — e que faz questão de ver na ementa. O azeite servido com pão acabado de sair do forno é feito com as azeitonas do olival da quinta.

Caça ao tesouro

As várias placas de sinalização espalhadas por Casaldronho ajudam a perceber a configuração da propriedade, além de resumirem um pequeno circuito que se pode fazer a pé, com a duração média de uma hora. O intervalo entre o pequeno-almoço e o almoço parece-nos o momento ideal para uma caminhada socalcos acima. Afinal, fizemos várias visitas à mesa do buffet de domingo: além dos pães e dos croissants, dos deliciosos quadradinhos de canela e dos bolinhos de abóbora, há ainda fruta laminada e ovos mexidos acabados de fazer, queijos e salpicão da região para rematar. Máquina fotográfica ao ombro, sapatilhas confortáveis e um dos primeiros dias de Março que parecem Primavera a entrar pela janela enorme da recepção — era urgente aproveitar o sol.

A capela da Nossa Senhora da Conceição é a primeira paragem, aberta por ser domingo. Aqui ainda se rezam missas nos aniversários dos antigos donos, cujos retratos estão pendurados nas paredes interiores, em molduras quase tão antigas como a própria capela (de finais do século XIX). Resistiu ao incêndio de 1985 e manteve o pequeno e simples altar de madeira e o tecto de um azul-turquesa esbatido.

A partir daqui é sempre a subir: o caminho leva-nos até ao antigo dormitório, que albergava os trabalhadores sazonais contratados para as vindimas, e ao armazém e lagares, de grandes portões vermelhos voltados para as pontes da Régua. Numa zona em que a estrada é de terra batida, desviando-se do percurso que os carros fazem, fica o antigo esconderijo da aguardente, onde o avô de Vítor guardava a bebida proibida. Em processo de recuperação está a área das minas de água, com nascentes acessíveis por uma escadaria de madeira e vegetação perfeita para um piquenique, que o hotel providencia, em dias quentes. Já a descer — e depois de muitas fotografias tiradas — fica o pomar da quinta, por esta altura apenas com laranjas prontas a comer.

O mapa desenhado nas placas deste percurso não tem nenhuma cruz a identificar um baú, é verdade, mas a lenda da quinta e da aldeia reza que uma das antigas proprietárias, dona Sofia, terá aqui enterrado o seu tesouro. Nunca foram encontradas moedas de ouro nem outros objectos valiosos, pelo que o mistério se mantém até hoje. E qualquer um pode tentar a sua sorte.

A Fugas esteve alojada a convite da Quinta de Casaldronho

Nome
Quinta de Casaldronho
Local
Lamego, Valdigem, EN 313 - Valdigem
Telefone
254318331
Website
http://www.quintadecasaldronho.com/
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