Fugas - hotéis

Uma aldeia de memórias, paz e natureza

Por Mara Gonçalves ,

Do quintal e das histórias de família ergueu-se uma aldeia, com mercearia, ermida, curral das ovelhas. O Santuário de Fátima fica a cinco minutos das Luz Houses, mas, aqui, a comunhão é com as memórias e a Natureza. É Fátima, mas não é Fátima.

Ultrapassado o portão azul claro, é como se mergulhássemos numa aldeia tradicional da região, reinterpretada nos tempos modernos. Vamos caminhando pelo mosaico de lascas de pedra, que replica os antigos caminhos principais das povoações, e as casinhas térreas vão-se sucedendo num barro vivo, cada porta debruada de pedra alva a guardar um espaçoso quarto ou suite.

É a pequena aldeia de Pedro Silva e Ana Alves, inaugurada no início de Abril em Moimento, a escassos minutos de Fátima e com os terrenos do Santuário a dois passos. No Luz Houses tudo procura “recuperar esse brilho e vivência da aldeia”. Cada pormenor quer levar-nos atrás no tempo, logo a começar pela arquitectura dos edifícios, em que cada bloco de casas representa uma época de construção.

Lá ao fundo, junto à cisterna centenária – qual piscina escavada milimetricamente no chão de rocha calcária –, recordam-se as mais antigas, de finais do século XIX, com alpendres de lajes, ora dois blocos em triângulo a estreitar a entrada, ora uma laje embicada (e empoleirada) noutras duas, à largura da porta; ladeadas pelas minúsculas “janelas do gato”, onde só caberia mesmo um esguio felino. Mais à frente, novas casas-quarto (onde ficámos), agora com alpendres de pial, designação que nasceu do termo «poial», numa analogia com os bancos de pedra onde se poisavam os cântaros de água, agora belos assentos para estadas prolongadas à “varanda”. Já próximo do edifício principal (que aqui se chama Mãe Casa, apelidada pelas filhas do casal) ficam as construções dos anos 1930/1940, uma versão aprimorada das anteriores, com colunas e molduras de janelas e portas em pedra trabalhada.

Não são uma reprodução fiel das antigas povoações – a telha e as paredes de pedra foram retiradas para dar mais luz, os contornos suavizados para dar “um lado mais contemporâneo”, por exemplo –, mas a traça e os pormenores mais característicos das diferentes construções da região vão sendo recriados em cada edifício, qual museu arquitectónico.

Não falta, por isso, a grande lareira “onde se sentava a família inteira e onde se penduravam os enchidos” (reinterpretada na sala de estar comum), os “bancos dos namorados”, o forno de lenha, uma mercearia com produtos regionais, o curral de ovelhas (onde a Pipoca, a Choné e o cordeiro Menino prometem fazer as delícias da criançada), uma ermida ou as antigas coberturas das cisternas da região (recriadas na cobertura do edifício principal e na frontaria da ermida). Até o directório de serviços chega-nos sob a forma de um jornal antigo.

“Este tipo de projecto e de essência vai buscar todas as memórias que temos”, defende Ana Alves, que trouxe da profissão de arquitecta este “lado mais cultural” do projecto. “Queremos que as pessoas cheguem aqui e lhes venham as memórias da casa da avó, as conversas que tinham à lareira”, conta. “Este tipo de coisas mexe connosco e tentei explorar isso um bocadinho também”.

Um lugar para todos

A propriedade onde se ergue o Luz Houses era o antigo “quintal” da moradia do casal, agora além muro. Há cerca de três anos, quando andavam “a arrumar as certidões do terreno”, a “organizar os papéis e as fotocópias” do pai de Pedro, acabaram por encontrar entre os documentos muitas estórias ligadas àquele lugar, à árvore genealógica da família, à história de Fátima. “Descobri, por exemplo, que o meu bisavô era padrinho da irmã Lúcia, que praticamente vivia lá em casa”, conta Pedro. Ou que a mais velha dos três pastorinhos referia a Estrumeira da Conceição – nome daquele lugar – nas suas memórias. “O hotel até era para se chamar Estrumeira da Conceição, registámos o nome e tudo, mas depois lá nos convenceram de que se calhar era melhor não”, riem-se. “Encontrámos um fiozinho e começámos a desfiar. Cada vez vinham mais histórias engraçadas”.

Das ligações descobertas à ideia de criar um espaço para gravar todos estes afectos e memórias no futuro foi um passo. Depois de mais de um ano de investigação e outro de obras, abriram o Luz Houses, onde os diferentes passados se confluem na arquitectura e na decoração, umas vezes de forma mais óbvia, outras vezes mais velada. Nos espaços interiores, por exemplo, há sempre “dois elementos que têm a ver com a história do lugar, mesmo que a gente não a conte”: as asas ou as penas (ligadas às Aparições do Anjo e, por isso, à história de Fátima) e a palha (associada à estrumeira e ao que este local “foi em tempos”).

O que não existe são referências directas ao principal lugar de peregrinação do país ou à religião católica, substituídas por uma “vertente mais espiritual e de comunhão com a natureza”, aberta a todos os credos e convicções. A própria ermida é desprovida de símbolos religiosos, reinando uma simplicidade imaculada: candelabros nas paredes, bancos feitos de troncos de eucalipto crus e almofadas de palha, o altar trocado por uma parede envidraçada sobre o campo. Cá fora, o pormenor: junto à entrada, um puxador permite qualquer um fazer tocar o pequeno sino cimeiro.

“Cada pessoa tem aqui o seu espaço. Pode rezar, meditar, correr, fazer ioga, brincar em família, o que entender”, enumeram. É um sítio “onde se consegue perceber a paz, alguma tranquilidade”, além definições. Atributos que são ampliados na decoração, de tons claros, moderna e charmosa, mas “despojada daquelas coisas que não são precisas”, para que os hóspedes “se sintam confortáveis e em casa”. Em cada divisão, um tapete comprido dá o mote às muitas mensagens que vão sendo deixadas nas paredes interiores e, no futuro, também pelo jardim, num percurso meditativo: “L’essentiel est invisible pour les yeux” (“o essencial é invisível aos olhos”).

Pela manhã, refugiamo-nos do mundo no Luz Retreat, uma gruta natural escondida no jardim, para um ritual de pés com ervas aromáticas que se inspira na tradição dos peregrinos (há também massagens e outros tratamentos). Pela tarde, uma antiga pasteleira restaurada espera-nos para um passeio a pedal pelo arvoredo do Monte dos Valinhos (apelidado de “Pulmão de Fátima”) e pelas localidades circundantes. Primeiro subimos ao Calvário Húngaro (onde se ergue a Capela de Santo Estêvão, oferecida pelos católicos da Hungria após a II Guerra Mundial) e passamos pela Loca do Cabeço (onde terão ocorrido a primeira e a terceira aparições do anjo aos pastorinhos). Os dois locais, a escassos metros de distância (e a poucos minutos do hotel), pertenceram em tempos ao bisavô de Pedro – “no início do século XX era o maior proprietário da região” – e foram depois cedidos ao Santuário. (E mais uma vez, as histórias da família e de Fátima se vão interligando). Pouco depois, descemos até Aljustrel, onde visitamos o museu etnográfico e a antiga casa da irmã Lúcia, para de seguida regressar a Moimento, terminando numa espécie de BTT campestre até à ermida.

De Cova da Iria levamos o curto passeio de carro à chegada, pouco mais. “Não queremos fugir das nossas origens. Somos de Fátima, estamos aqui e gostamos muito de cá estar, mas queremos ser mais do que isso”, defendem. “Pretendemos ter o papel um bocadinho ao contrário: fazer com que as pessoas saiam com outra perspectiva de Fátima e se calhar fazer melhorar a sua imagem”. Porque há mais Fátima para além de Fátima.

Nome
Luz Houses
Local
Ourém, Fátima, Rua Principal, 78
Telefone
249532275
Website
http://www.luzhouses.pt/
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