Fugas - hotéis

O céu cabe todo aqui

Por Ana Rute Silva ,

Na viagem para as Casas Caiadas, era impossível não olhar para o céu e as suas estrelas deitadas no azul forte da noite alentejana. A primeira frase que se lê no quadro da artista plástica Graça Paz, exposto dentro da Casa Caiada, a maior das três, resume a sensação: 'Não há terra mais perto do céu'

Foi naquela recta até à aldeia do Sabugueiro, a 12 quilómetros de Arraiolos, que o fim-de-semana verdadeiramente começou. No telemóvel lia-se a mensagem “sem rede” e o céu já tinha perdido as cores do dia. Seguimos o jipe de Mário Domingues por uma estrada de terra batida, passámos por pequenas pontes, entre árvores e, pouco depois, avistámos as Casas Caiadas. Mas não foram os três edifícios independentes que, num primeiro olhar, mais chamaram a atenção. Era impossível não olhar para o céu e as suas estrelas deitadas no azul forte da noite alentejana. A primeira frase que se lê no quadro da artista plástica Graça Paz, exposto dentro da Casa Caiada, a maior das três, resume a sensação: “Não há terra mais perto do céu”. 

O projecto de Mário Domingues e Paula Cabrito começou há alguns anos, com buscas intensas. A ideia era encontrar um refúgio familiar com um requisito muito particular. Teria de ser um antigo moinho de água e localizado a curta distância de Lisboa. A pesquisa foi restringida ao Alto Alentejo. Houve negócios quase fechados e muita intuição a funcionar até chegarem aqui. Quase compraram um antigo moinho que tinha o “extra” de estar perto de uma suinicultura com cinco mil porcos, detalhe que só descobriram depois de uma visita, sozinhos, ao local e graças ao aviso do caseiro. Mas as noites mal dormidas e as viagens constantes ao Alentejo acabaram por compensar. A um quilómetro do Sabugueiro, num pequeno vale, encontraram finalmente o local certo.

“Isto era uma floresta, fruto do abandono de 50 anos. Olhei e não achei piada nenhuma mas, depois, apercebi-me que havia outra casa. Era o moinho principal e estava literalmente engolido pelas silvas. A Ribeira da Fanica mal se via”, recorda Mário. Apesar do cenário pouco convidativo, regressou ao local com Paula. E foi aí que as oliveiras centenárias, os nichos nas paredes velhas, as pedras enormes, os convenceram. A limpeza do terreno, que durou três anos, ajudou a destapar o verdadeiro potencial e, já na fase de reconstrução, o arquitecto Luís Pereira Miguel soube ler e respeitar a herança do lugar. Tanto que o seu projecto foi candidato ao Prémio Vilalva, da Fundação Calouste Gulbenkian, e já está publicado no livro Portuguese Restored Houses (Uzina Books, 2014). 

“Queríamos manter o que estava, restaurar e mexer o menos possível”, recordam Paula e Mário. Aos poucos, foram desenhando o conceito. E de um espaço para fins-de-semana e férias em família as casas ganharam forma de turismo rural, onde se oferece total privacidade. São alugadas a um grupo de amigos ou família com lotação máxima de oito pessoas e uma a duas crianças com idade para dormir num berço. 

Além da Casa Caiada — de maior dimensão com uma suíte, dois quartos e duas casas de banho —, há a Casa de Pedra (um quarto e casa de banho) e a Casa Moinho, com cozinha equipada e uma ampla sala de jantar e de estar onde se servem os pequenos-almoços, incluídos no preço. Também é possível reservar almoços e jantares, inspirados na gastronomia local, mas quem quiser pode confeccionar as suas próprias refeições. 

A piscina-praia em forma de meia-lua torna o lugar especial. Não é uma piscina convencional de pequenos azulejos azuis e fez a diferença no projecto, atraindo os turistas com a água azul, pouco profunda. Convida a estar em silêncio, a ouvir os pássaros e a observar a natureza. Não será estranho se vir uma cegonha a voar baixinho por ali. 

Paula é a responsável pela decoração consistente, tranquila e cuidada, utilizando mobiliário de família e outros objectos que o casal foi encontrando e pesquisando no Alentejo. Há peças que ajudam a construir a identidade do espaço, como as esculturas de João Bruno Videira, antigo jornalista da RTP e produtor de vídeo independente que se tornou artesão e criou a marca Água de Prata, nome que vem da nascente com o mesmo nome que abastecia o aqueduto de Évora. As suas cadeiras, poufs ou peças de decoração forradas com lã de Arraiolos destacam-se nas Casas Caiadas.

Com uma carreira internacional na banca, Mário deixou o emprego certo. E não se arrepende. “É uma aposta nossa. O mercado dirá se é acertada. Para já, diz que sim. É aspiracional, requer planeamento da parte dos hóspedes que se juntam em grupo ou família em regime de total privacidade, aspecto muito valorizado pelos estrangeiros”, descreve.

Na Casa Caiada, o hall de entrada tem uma enorme arca de madeira, daquelas onde antes se salgavam presuntos ou conservavam alimentos. Há nichos nas paredes (são mesmo caiadas) com objectos da vida rural, como chaves antigas ou uma pá de ferro. A suíte está logo à esquerda, com uma casa de banho onde se destacam o lavatório de mármore a lembrar uma pia antiga e troncos de madeira a fazer de suportes para as toalhas. No chão ainda se vê uma mó antiga, debaixo de uma das duas largas chaminés que marcam a arquitectura da casa.

O quarto da suíte é simples, com lençóis brancos, uma manta e tapetes castanhos, recriados pela Fábrica Alentejana de Lanifícios de Mizette Nielsen que, a partir de Monsaraz, tem dado nova vida às lãs da região e fez todos os tapetes e mantas das Casas Caiadas. Os outros dois quartos seguem a mesma estética. Arcas antigas, bancos de madeira a fazer de mesas-de-cabeceira ou troncos de árvore que contrastam com os candeeiros brancos modernos. Todos têm porta de ligação à rua para maior privacidade.

A Casa de Pedra preserva as paredes originais e destaca-se pela porta azul- turquesa. Tem um quarto e casa de banho. Finalmente, a Casa do Moinho serve de ponto central de convívio e refeições, com uma mesa de madeira suficiente para sentar todos os hóspedes. Ao pequeno-almoço há pão fresco do Sabugueiro, queijo e doces da Herdade da Amendoeira. 

O regresso à realidade faz-se devagar. Voltamos ao texto de Graça Paz que assim termina: “O silêncio alentejano é um ritual e um mito.”

A Fugas esteve alojada a convite das Casas Caiadas

Nome
Casas Caiadas
Local
Arraiolos, Sabugueiro, Sabugueiro, Arraiolos
Telefone
962616474
Website
https://www.facebook.com/casascaiadas
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