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Como se estivéssemos entre amigos

Por Patrícia Carvalho ,

Fotografias de família antigas, figos e nozes, cavalos garranos, a limpidez das águas do Alvoco e uma praia fluvial ali à porta — é assim que o Outono nos recebe na Casa de Baixo, Oliveira do Hospital.

À volta quase só se vê verde. O azul da água da piscina é o único contraste. Não sabemos se agarramos num figo suculento e nos perdemos nele, se arrancamos uma maçã pequena e perfumada da árvore ali ao fundo ou se espreitamos para o interior da casca protectora das nozes da grande nogueira e vemos se estas já estão prontas para comer. Quanto às castanhas, não temos dúvidas: os ouriços ainda estão verdes, por isso sabemos que para as comer, teremos de esperar um pouco mais. Tudo isto enquanto podemos dar um mergulho na piscina. Porque na Casa de Baixo, em Alvoco das Várzeas, Oliveira do Hospital, já é Outono nos doces e nas frutas, mas a temperatura continua a lembrar o Verão. Haverá combinação mais perfeita?

No exterior da casa, uma trepadeira de folhas largas ainda tem algum verde, mas o vermelho outonal começa a ser preponderante, num contraste vivo e quente com o xisto que cobre a parede. Vasco Campos, o proprietário, aparece da casa que habita na propriedade – um edifício pequeno, ao lado da grande casa branca dos pais e do projecto turístico que inaugurou em Junho e que oferece, para já, sete quartos luminosos e temáticos, associados à história da família.

Vasco indica-nos o nosso quarto, o Floresta (ou não fosse ele engenheiro florestal), e é difícil não encontrar referências ao tema mal se cruza a porta. Há uma parede coberta de papel decorado com árvores, a roupa de cama é verde, branca e castanha, e os pés dos candeeiros parecem ter sido alvo de um qualquer encantamento que os cobriu de finos ramos castanhos. Os roupões felpudos sobre os quais repousa uma pequena vela verde dão o toque final para que nos sintamos em casa.

Mas a verdade é que o quarto há-de ser para dormir e para já ainda faz sol e calor e o terreno no exterior é mais apetecível do que ficar dentro de portas. Sentamo-nos junto a uma das pequenas mesas de madeira, com o tampo salpicado do doce que tombou dos figos pingo-de-mel que enchem a copa da figueira sobre as nossas cabeças, e apreciamos o silêncio e a sombra fresca, enquanto Margarida Prata, “a alma da casa”, como a descreve Vasco, acaba o arranjo de flores que será levado para uma das mesas da sala de estar e de refeições. Pouco depois, junta-se a nós e acompanha-nos num passeio até ao rio Alvoco, já ali à frente, passando por um terreno ainda por tratar, onde passeiam alguns garranos de Vasco (sim, porque além de engenheiro florestal e empresário turístico, ele é também criador certificado de garranos e muitas outras coisas, incluindo um conversador incansável e atento, como iremos perceber).

Vasco leva-nos pelo meio dos garranos para que possamos ver a limpidez das águas do Alvoco, que atravessa a propriedade, e nos explicar que, quando o Verão regressar de novo, no próximo ano, espera ter já um passadiço construído e uma plataforma de madeira, para que os hóspedes da Casa de Baixo possam usufruir também de um banho de rio, quando se cansarem da piscina. Não que não o pudessem fazer já, porque do lado de fora do portão que veda o terreno privado, fica a praia fluvial da localidade, com bandeira azul, à sombra da belíssima ponte medieval da aldeia. A diferença é que, se preferirem, no próximo ano, os hóspedes da Casa de Baixo não precisarão de deixar a propriedade para usufruir, com todas as condições, das águas do Alvoco.

Para já, os hóspedes aproveitam a piscina, até que o final da tarde nos recorda que o Outono já chegou mesmo, e as temperaturas baixam, pedindo meias nos pés e casacos a cobrir os ombros e os braços.

E isso não tem qualquer problema, porque significa que podemos explorar um pouco mais o interior da casa, decorada com antiguidades da família Campos e objectos modernos discretos e funcionais. Por todo o lado há fotografias de família, antepassados de longos bigodes e mulheres de cinturas finas e penteados complicados no cimo da cabeça. Numa das paredes, sobressai a negro um poema do avô paterno de Vasco, com quem partilha o nome, e que era um verdadeiro médico de aldeia, percorrendo, a cavalo, as povoações encravadas na Serra do Açor, enquanto escrevia poesia e narrativas vivas das suas experiências.

Em sua honra, há na casa o Quarto do Senhor Doutor, onde uma vitrine expõe alguns dos instrumentos que usava na sua actividade (no Museu do Piodão existem também uns fórceps do emblemático médico da aldeia), estando os restantes quartos entregues a outros temas queridos da família. Há, como já vimos, a Floresta, o quarto Serra da Estrela – local predilecto de visita familiar há mais de cem anos e que é visível, ao longe, em certos pontos da propriedade —, o Azeite (a família produz azeitona e Vasco quer mesmo começar a produzir azeite, para o colocar à venda na casa), o Vinho (em honra do Dão e outro dos produtos em que o proprietário quer apostar), o Rio, por causa do Alvoco “um dos mais límpidos de Portugal”, e o Cavalos, em honra dos garranos. No próximo ano, uma suite, já em construção, vai juntar-se a estes sete quartos, mas o tema que ditará a sua decoração ainda tem que ser decidido, garante Vasco.

O engenheiro florestal diz que criou a Casa de Baixo à semelhança do que ele próprio, enquanto viajante, gostaria de encontrar num alojamento, e sempre associado a um conceito: “Queremos que os nossos hóspedes sintam que estão na casa de amigos, com tudo o que isso significa. A única diferença, é que têm de pagar.”

Entre as regras muito próprias que Vasco levou para o seu mais recente projecto está a inexistência de horários para se tomar o pequeno-almoço ou para fazer o check-out – cada um come quando quer e sai à hora que melhor entender. Os preços também não se regem por épocas altas ou baixas, mantendo-se, durante todo o ano, com apenas duas distinções – semana ou fim-de-semana e com vista para o rio ou sem vista para o rio. A outra regra que quis pôr em prática a partir do primeiro momento é ter refeições para servir aos hóspedes que não querem enfrentar os caminhos estreitos da serra em busca de um restaurante.

Há, por isso, a possibilidade de almoçar e jantar na Casa de Baixo, com a garantia de que os produtos serão caseiros ou da região. Há enchidos de Meruge, doce caseiro dos figos apanhados no jardim, bolo das nozes saídas da nogueira da casa, queijos da zona, geleia de medronho da região e vinhos do Dão.

A refeição, na sala acolhedora, ocupa grande parte da noite e depois é mesmo tempo de dar um pouco mais de uso ao quarto. De estômago confortado e com o silêncio absoluto a dominar a noite, não demora muito até que o colchão firme mas não demasiado duro, as almofadas com o tamanho certo e o edredão aconchegante cumpram a sua tarefa: adormecemos num instante.

Na manhã seguinte, o sumo de laranja e o bolo de noz ficam no topo da lista das coisas boas que nos oferecem ao pequeno-almoço. Está outro dia de sol quente e céu azul. Os garranos aproximam-se da rede que delimita o jardim com a piscina e relincham, dando-nos os bons-dias. A rã que vive no tanque de pedra desaparece dentro de água, assim que nos aproximamos. E, pouco depois das 10h30, um bando de andorinhas aproveita a ausência de humanos no exterior e enche o jardim, aproximando-se, em voos vertiginosos da piscina, criando pequenos sulcos na água.

É Outono, sabe a Outono, mas o sol tem ainda força de Verão. Tal como Vasco sonhou, sentimo-nos como se estivéssemos em casa de amigos e pensamos que para a próxima, quando regressarmos (porque temos de regressar), talvez ganhemos coragem para entrar nas águas do Alvoco.

Nome
Casa de Baixo
Local
Oliveira do Hospital, Alvoco das Várzeas, Rua da Arrifana, 5
Telefone
918204054
Website
http://www.casadebaixo.pt/
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