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Um sonho antigo plantado à sombra das oliveiras

Por Marisa Soares ,

Fomos até Vila Velha de Ródão provar o azeite da Herdade da Urgueira e descansar o corpo num quarto chamado Tostão. Só não levámos a azeitona ao lagar mas já sabemos como se faz.

Apetece estender o panal debaixo da oliveira, encostar a escada ao tronco e pegar no cambão para abanar os ramos carregados de azeitonas negras. Da janela do restaurante, conseguimos vê-las a luzir por entre as folhas. Ainda é cedo para a apanha, dizem-nos. É melhor deixá-las estar mais uns dias a amadurecer ao sol do Outono e poupar o corpo para os prazeres da mesa, regados com o “ouro líquido” onde molhamos o pão. Devagar.

Nesta história, a oliveira é a personagem principal. Foi por ela que viemos. Não só porque domina a paisagem do pequeno monte onde está instalada a Herdade da Urgueira, num terreno de quase 500 hectares a 10 quilómetros de Vila Velha de Ródão, mas porque é nela que assenta o conceito deste empreendimento, voltado para o olivoturismo.

O projecto é “um sonho antigo” de Carlos Lourenço, empresário de 50 anos que nunca abandonou o gosto pela terra raiana que o viu nascer. Insistiu que haveria de contrariar a tendência de fuga para o litoral e deixou-se ficar, contra o desejo do pai, que preferia ver o filho noutras andanças. Ameaçou-o. “Se não me comprar um terreno, hei-de casar com uma alentejana que tenha terra e perde-me o rasto.” O pai cedeu.

Com pouco mais de 20 anos, Carlos Lourenço era um jovem agricultor com uma propriedade situada ao lado da Herdade da Urgueira, na qual ficou de olho. Comprou o terreno vizinho em 1993 e demorou mais de 20 anos até concretizar o sonho. “Foi um grande risco, pus toda a carne no assador”, desabafa. O empreendimento, no qual o proprietário (que é sócio-gerente, aliado à irmã) investiu um milhão e meio de euros, é mesmo um caso sério. Tudo ali foi pensado ao pormenor e não se poupou no bom gosto e na preocupação com a sustentabilidade.

Carlos reconstruiu as pequenas casas onde moravam os trabalhadores do antigo Monte da Urgueira, assim como as estruturas de apoio ao cultivo da terra e à criação de gado. Nas casas criou sete apartamentos (de T1 a T3) e atribuiu-lhes nomes alusivos a todo o processo de apanha da azeitona e produção do azeite, desde a poda até ao transporte para comercialização.

A decoração é a condizer. No apartamento Tulha, por exemplo, há sacas de sarapilheira penduradas nas paredes, ao lado de ferramentas utilizadas para armazenar as azeitonas antes do transporte para o lagar. E no Panal está guardado o pano que se utiliza para colocar no chão por baixo das oliveiras, onde caem as azeitonas, e ao lado a escada e a vara de madeira (o cambão) utilizada para sacudir os ramos. No Lagar, estão as prensas das mós. Uma visita às casas é uma autêntica aula de olivocultura.

Os quadros pendurados nas paredes das salas são fotografias que captam momentos de trabalho, antigas, a preto e branco, com homens de boina e mulheres de lenço na cabeça e saias até aos pés. As camas largas, de traço simples, e as salas aconchegantes com lareira — e aquecimento central alimentado pela queima do caroço de azeitona — convidam a estadias demoradas. Nas traseiras, todas as casas têm terraços sossegados com vista para as oliveiras e para o sítio onde se guarda o gado — quase 2000 ovelhas, cujo leite abastece a queijaria da família, a Lourenço&Filhos, para o fabrico do queijo, várias vezes premiado em concursos nacionais.

Além dos sete apartamentos, foi recuperada a zona onde viviam os antigos donos da quinta, transformada em três alojamentos temáticos: Urgueira, uma suíte com sala e varanda com vista para o monte e para a represa de água que Carlos Lourenço construiu, mesmo aos pés da herdade; Perais, em homenagem à freguesia à qual pertence o terreno; e Tostão, dois quartos (A e B) aos quais deram o nome da terra onde nasceu o proprietário.

E Espanha aqui tão perto

Calhou-nos o Tostão B. Chegámos tarde mas ainda fomos a tempo do almoço. À mesa do restaurante, que foi em tempos a vacaria onde os donos da antiga quinta guardavam o gado, tomámos o gosto aos produtos da terra: além do azeite, suave e saboroso, temos azeitonas da herdade, pão de azeitonas, fatias leves de presunto desidratado, queijo de ovelha. Para prato principal escolhemos o bacalhau fresco com crosta de pão ralado e legumes em vez do borrego, prato habitual aos sábados, assado ali ao lado no forno comunitário da herdade.

Depois do repasto, subimos pelas escadas do antigo pombal até ao terraço panorâmico. Os olhos descansam sobre a planície verdejante, a aldeia de Perais ao fundo, e a piscina com vista para a pequena barragem de onde Carlos Lourenço retira água para o regadio. Pelas margens passeiam garças brancas e negras, cegonhas e patos em busca de alimento. O assobio insistente dos pássaros completa o cenário bucólico.

Mais tarde conhecemos o ex-líbris da Urgueira. Carlos Lourenço não fez por menos: instalou na herdade o lagar que existia em Sarnadas, uma aldeia próxima, para proporcionar aos hóspedes uma experiência a 100%. Assim, depois de verem as azeitonas na árvore e perceberem como se processa a apanha, os visitantes podem conhecer todas as etapas da produção do azeite. É dali que parte a Rota do Azeite, seguindo para o lagar de Tostão, que vai funcionar uma vez por ano para demonstração.

No espaço criado para eventos ou reuniões — ou mesmo para a celebração de 50 anos de casamento, como a que decorreu no dia em que visitámos a herdade — existe ainda uma zona destinada a actividades como a amassadura do pão ou a produção do queijo. Com esta oferta, Carlos Lourenço quer atrair não apenas os clientes nacionais mas também o mercado internacional, em particular de Espanha, que fica quase paredes meias com aquela zona. Aliás, se nos descuidarmos estamos a apanhar rede de telemóvel espanhola e até as horas mudam sem darmos por ela.

A localização da herdade, perto do rio Tejo, foi o mote para o slogan escolhido para o empreendimento: the meeting place. Era naquela zona que os pastores vindos com o gado das terras frias do Norte, em direcção aos pastos abundantes do Alentejo, esperavam uns pelos outros. Juntavam-se para se protegerem, porque a união faz a força. Daí surgiu “Esperais”, que com o tempo ficou “Perais”, dando nome à freguesia.

É neste ponto de encontro que imaginamos os trabalhadores do campo a entoarem as quadras escritas nas paredes dos quartos da Urgueira. Como esta: “Azeitona galeguinha, anda aos saltos no pio; é como a moça bonita, que até no andar tem brio”. Ou esta: “A azeitona miudinha também vai para o lagar. Todos falam em amor, só eu não tenho vagar.” Saímos de lá a cantarolar.

Nome
Herdade da Urgueira
Local
Vila Velha de Ródão, Perais, Vale de Pousadas - Perai
Telefone
272073570
Website
http://www.herdadedaurgueira.com/
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