É só quando temos de fazer a mala que caímos na realidade. Estamos mentalizados para ficar sem Facebook, sem colocar as fotografias das “férias” no Instagram, sem pesquisar o melhor restaurante da região na Zomato. Afinal, é isso que implica uma estadia offline, tal como indicam nome e conceito do projecto. Mas o uso do telemóvel tornou-se tão instintivo e automático para tudo que só agora nos apercebemos do que significa verdadeiramente ter de ficar sem ele, nem que seja por uma noite. Se temos de deixá-lo no cacifo como é que vamos despertar a horas do pequeno-almoço?
E, de repente, temos a mala preenchida com toda a parafernália que habitualmente vem incluída no canivete suíço dos tempos modernos: mapa em papel, relógio-despertador (que afinal não precisaríamos, existe um sobre a mesa-de-cabeceira – daqueles minúsculos a pilhas mas que faz um tique-taque de encher a noite, lembra-se?), mp3, máquina fotográfica, livro, caderno e gravador. Para os adeptos de corridas ou de caminhadas, aconselha-se ainda a trazer bússola ou pedómetro. Há todo um manual de preparação, para que a ansiedade diminua e o período de abstinência seja aproveitado em pleno e sem ressacas.
É que ficar alojado nesta guesthouse a dois passos de Aljezur é mais do que desligar a Internet e o mundo virtual. É desligar todo um mundo tecnológico, trancar os aparelhos a cadeado no armário da recepção e regressar ao mundo analógico, ao aqui e agora que nos rodeia o corpo. Ainda nos lembramos das férias (da vida) sem smartphone? Do convívio com conhecidos e desconhecidos sem a bengala dos ecrãs? Ainda sabemos como é que isso tudo se faz?
A Offline House nasceu no final de Março para levar os hóspedes a reaprendê-lo. O objectivo, enumeram Rita Gomes e Bárbara Miranda, responsáveis pela unidade de alojamento, é “reinventar a forma como as pessoas socializam umas com as outras sem a utilização de qualquer ferramenta que as conecte à Internet” e, com isso, “divulgar os benefícios” desta desintoxicação digital e apelar ao uso moderado das tecnologias. Como ter o telemóvel no bolso torna quase impossível resistir aos seus encantos virtuais, os hóspedes são convidados a fazer o check-in dos aparelhos à chegada (e aqui entenda-se tudo o que tenha ligação à Internet, computadores, tablets e smartwatches incluídos), ficando-se com a chave do cadeado para que seja possível usá-los em situação de emergência (nestes casos, contudo, pede-se que sejam utilizados fora da casa).
A chegada à guesthouse dá, por isso, um pouco a sensação de estarmos a entrar numa clínica de reabilitação, mas a partir daqui são férias normais, daquelas que vivíamos antigamente, antes dos telemóveis-tudo-incluído dominarem o quotidiano. Dizemos, então, adeus ao telemóvel e à Internet; olá ao marulhar do vento nos pinheiros, ao canto dos pássaros, à dança entre sol e chuva, à suave voz da Bárbara a iniciar-nos no ioga, ao convívio com os outros habitantes da casa. “Desconectar para reconectar” é o lema.
Um detox digital
A ideia surgiu há três anos em Londres. Bárbara, arquitecta, e Rita, formada em psicologia (exerceu na autarquia de Torres Novas, depois trabalhou em bares, fez voluntariado, foi professora de inglês na Tailândia e em Barcelona), viviam desde 2010 na capital inglesa e reparavam que, cada vez mais, “toda a gente na cidade se conhecia através de aplicações online”. “Perdia-se aquela espontaneidade de encontrar ou de falar com um estranho na rua sem ser programado e sem ser através da Internet”, recorda Bárbara.
As duas amigas, ambas de Lisboa mas que só se conheceriam em Londres através de amigos em comum, acreditaram que existia ali não só um problema como uma oportunidade. Bárbara organizou uma flashmob no metro, mais tarde Rita lançou um projecto de encontros offline para solteiros. Mas ambas estavam descontentes com os empregos que tinham, queriam mudar de vida, regressar a Portugal. Um dia, à conversa num pub, Bárbara lança o sonho de uma guesthouse; Rita soma-lhe desejos comuns e arruma num conceito: “Voltar para Portugal, abrir uma guesthouse e levar o conceito offline [para lá]”. “A Bárbara abre assim muito os olhos e diz: «Tu fazias isso? Olha que eu faço, vou-me já despedir!»”, riem-se. Nascia assim a marca Offline Portugal, da qual a casa de férias é o projecto pioneiro. Para breve, estão acções de rua, palestras em escolas, jantares ou concertos offline. “No fundo queremos promover todas as actividades sociais normais sem a utilização da Internet”, resume Bárbara.
O sol ainda bate na janela da sala comum, bebemos chá verde, deixamo-nos ficar à conversa. Bárbara já ensaiou um No woman no cry à guitarra, agora sai Jack Johnson das colunas de som, a playlist tocada a partir de um smartphone que de vez em quando se interrompe em chamadas telefónicas e reservas. A casa – branca com risca azul no rodapé, uma versão moderna dos edifícios típicos do Sul do país – foi encontrada no Airbnb. “Acho que o universo nos deu esta casa porque na realidade não vimos mais nenhuma”, conta Bárbara, confessando que começou “a fazer o website com as fotografias dela” e ainda nem a tinham visto. “Tivemos sorte porque o proprietário é uma pessoa fabulosa e gostou imenso do projecto”, acrescenta Rita.
O edifício, que já tinha sido construído para ser unidade de turismo, fica em pleno parque natural, à entrada da Urbanização do Vale da Telha e a três quilómetros das ondas da praia da Arrifana, ou não fosse o surf uma das actividades pilares do projecto, juntamente com o ioga (Bárbara é instrutora de ioga, Sten, o namorado, professor de surf). Desde o início do ano que os três moram permanentemente na casa e, de tempos a tempos, vão chegando e saindo outros elementos da equipa. É o caso de Peter e Shanon, que estão quase a partir, e Kirstin e Mario, que acabaram de chegar.
É com os sete, e ainda a hóspede inglesa Tea, que nos juntamos para um serão à lareira. Esta noite, os jogos de tabuleiro ficam arrumados sobre a cómoda e os instrumentos musicais só sairão das prateleiras para o último jogo, uma espécie de cabra-cega musical. Sten acha que o grupo está a precisar de um entretém “mais activo e corporal”, que os cérebros já se toldam para descobrir os nomes das personalidades que temos colados na testa ou para encontrar a regra que nos levará a todos para a lua.
“Por vezes sentimo-nos um bocadinho adolescentes porque, como não temos televisão [existe mas só é ligada nas noites de cinema, normalmente com filmes sobre surf, ioga ou música], desenvolvemos estas dinâmicas de grupo entre todos”, conta Rita, 36 anos. Por vezes, organizam-se jam sessions ou noites de karaoke num bar local, à quinta-feira há festa na praia com todas as escolas de surf da região e ao sábado há barbecue no terraço ou jardim da guesthouse. São momentos feitos para “quebrar o gelo e os silêncios desconfortáveis”, diz Bárbara, 34 anos. Mas também para passar o tempo, conhecer novas pessoas e esquecer a vontade de submergir no mundo virtual.
E quem sai, sai convertido? “Houve uma rapariga que depois de passar dois dias offline disse que ia apagar a conta do Facebook”, conta Bárbara. Outra “decidiu que ia fazer um dia offline por semana”, acrescenta Rita. “O Tiago, por exemplo, achava que conseguia viver bem sem o telemóvel mas de cinco em cinco minutos ia ao bolso ‘buscá-lo’ e ao final do dia estava um bocadinho aflito, não pensava estar tão dependente”, devolve Bárbara. “Isto gera uma consciência, que é o que nós queremos”, defende. “É o que mais gosto nisto: saber que posso mudar um bocadinho a vida de cada um.”
- Nome
- Offline House
- Local
- Aljezur, Aljezur, Urbanizacão Vale da Telha - Sector C, Lote 104
- Telefone
- 282998075